Tratar as copatologias das pessoas com VIH: «É fundamental criar unidades de ambulatório»
“É certo que a eficácia da terapêutica atual conduziu ao aumento da esperança de vida dos doentes com infeção pelo VIH”, afirma José Vera, coordenador do Núcleo de Estudos da Doença VIH da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI).
Recordando que, no entanto, é preciso “assegurar que os doentes continuam a aderir às consultas, aos exames complementares e à medicação”, o médico sublinha que “atualmente o desafio é termos os doentes com infeção pelo VIH controlada, mas com várias copatologias que, a não serem tratadas devida e atempadamente, não irão beneficiar desse aumento de sobrevida”.
“Dispersão destes doentes por várias consultas”
Esta conjugação de complicações “cada vez mais precoces”, nomeadamente, a nível cardiovascular, metabólico e pulmonar, “aliada a uma população com francas carências socioeconómicas e instabilidade laboral”, leva o médico, que há mais de 25 anos se dedica aos doentes com infeção pelo VIH, a sublinhar:
“É preocupante a dispersão destes doentes por várias consultas, que representam, consequentemente, um aumento dos custos indiretos em saúde, uma maior duplicação de exames complementares e ainda um cenário de polifarmácia.”
Este é um panorama que José Vera afirma ser comum a todas as doenças sistémicas. A sua complexidade e especificidade requer, na sua ótica, “uma dedicação e competência técnica especial por parte dos profissionais de saúde, tanto da equipa médica como de enfermagem, aliada a diferentes condições de organização do trabalho”.
Construir uma “nova faceta da orgânica hospitalar”
Nesse sentido, o especialista salienta que “o surgimento de unidades de tratamento em ambulatório, com equipas dedicadas e de fácil acessibilidade para o doente que necessita de cuidados não programados deveria ser uma nova faceta a adicionar à tradicional e desatualizada orgânica hospitalar do ‘internamento – urgência – consulta externa’”.
O internista defende ainda a aposta na formação, de forma a garantir que “o especialista é polivalente e consegue dar resposta às comorbilidades, pelo menos até um determinado nível de complexidade”.
Ao mesmo tempo, “é importante criar vias verdes dentro da instituição, de forma a referenciar os doentes com alguma rapidez para as especialidades onde existe um maior conhecimento específico, quando a situação está agravada”.
Este investimento permitiria “garantir um melhor seguimento aos doentes crónicos, evitando os internamentos e as situações de urgência”.
Curso Intensivo de Infeção e Doença VIH aberto a todas as especialidades
Para José Vera, é evidente a importânca e a urgência de “reforçar e alargar a comunidade (de profissionais) que se dedica ao VIH a outras especialidades, nomeadamente à Medicina Geral e Familiar, no sentido de investir no diagnóstico precoce da infeção”.
O médico identifica ainda a necessidade de “formar aqueles que estão na linha da frente, quer no Serviço de Urgência como no Internamento, a fim de, da mesma maneira que requisitam exames ao colesterol e à glicemia, solicitarem o teste serológico para as doenças infeciosas”.
Desta forma, o Núcleo de Estudos da Doença VIH, que ajudou a fundar há 20 anos, tem desenvolvido várias reuniões temáticas para profissionais, com um objetivo: “Não se pensar unicamente na carga viral e na imunidade, mas também olhar para o doente enquanto detentor de comorbilidades que, se não forem detetadas e prevenidas, causarão complicações precoces e condicionarão uma atuação que seria eficaz.”
Foi o que aconteceu com o 1.º Curso Intensivo de Infeção e Doença VIH, aberto a outras especialidades e que decorreu o ano passado. Segundo José Vera, o objetivo passa agora por “alargar o âmbito do curso, por exemplo, à temática da grávida, e garantir a presença de especialistas internacionalmente”.
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(o8/01/2021)