Programa de formação do internato complementar de medicina interna
Número: I SÉRIE Nº14
Emissor: Ministério da Saúde
Diploma: Portaria nº 50/97 de 20 de Janeiro
Sumário: As crescentes exigências e responsabilidades postas no exercício das actividades médicas e cirúrgicas especializadas, agora potenciadas pela livre circulação de profissionais na Comunidade Europeia, requerem elevados níveis de formação pós-graduada Com esse objectivo, e através da reformulação do regime legal dos internatos médicos, visa-se garantir as melhores condições de formação e, consequentemente, revalorizar os títulos de qualificação profissional que confere. Para o efeito, é medida fundamental o estabelecimento de programas de formação para cada área profissional ou especialidade, devidamente actualizados, que definam a estrutura curricular do processo formativo, com tempos e planos gerais de actividades, e fixem os objectivos globais e específicos de cada área e estágio e os momentos e métodos da avaliação. Assim, sob proposta da Ordem dos Médicos e do Conselho Nacional dos Internatos Médicos; Ao abrigo do disposto nos artigos 7ºe 8ºdo Decreto-Lei n.o 128/92, de 4 de Julho, bem como nos artigos 23º, 24ºe 79ºdo Regulamento dos Internatos Complementares, aprovado pela Portaria n.o 695/95, de 30 de Junho:
Manda o Governo, pela Ministra da Saúde o seguinte:
1º São aprovados os programas de formação do internato complementar das especialidades e áreas profissionais médicas de cirurgia geral, cirurgia maxilofacial, endocrinologia e medicina interna, que estão anexos a esta portaria e que dela são parte integrante.
2º A aplicação e desenvolvimento dos programas compete aos órgãos e agentes responsáveis pela formação nos internatos, devendo assegurar a maior uniformidade a nível nacional.
Ministério da Saúde.
Assinada em 7 de Abril de 1997.
A Ministra da Saúde,
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina.
Programa de formação do internato complementar de medicina interna
1 –Duração do internato-60meses.
2 –Definição e âmbito:
2.1 -A medicina interna ocupa-se da prevenção, diagnóstico e orientação da terapêutica curativa não cirúrgica das doenças de órgãos e sistemas ou das afecções multissistémicas dos adolescentes e adultos.
2.2 -A visão integradora da constelação de características fisiológicas e patológicas do doente e a articulação com as práticas de outras especialidades definem a sua essência.
2.3 -Esta disciplina, difusa no âmbito dos objectos da sua prática e exigente em capacidades cognitivas, exerce-se em clínica de ambulatório (consulta externa e hospital de dia), clínica de agudos e crónicos (internamento em enfermaria), clínica de emergência (serviços de urgência) e clínica dos estados críticos (unidade de cuidados intensivos/serviços de medicina intensiva).
2.4 -A variedade nosológica, dependente das idiossincrasias institucionais, do acaso e de factores de natureza epidemiológica, não permite o estabelecimento de compartimentações rígidas relativas aos objectivos dos conhecimentos, segundo um modelo escolástico.
2.4.1 -Neste contexto exigir-se-á ao interno de medicina interna a construção de um edifício teórico multidisciplinar que, em conjunto com a aquisição de uma experiência prática sólida e variada, lhe permita a resolução de problemas clínicos progressivamente mais complexos.
3 –Estrutura, duração e sequência dos estágios:
3.1 -Estrutura e duração dos estágios:
3.1.1 -Medicina interna -42 a 48meses.
3.1.2 -Medicina de cuidados intensivos polivalentes-6 a12meses.
3.1.2.1 -O estágio de medicina de cuidados intensivos polivalentes, que tem a duração de 6 meses, poderá ser ampliado para 12 meses.
3.1.3 -Estágios opcionais -6 meses.
3.1.3.1 -Os estágios opcionais não poderão ter duração inferior a três meses e não poderão ser interrompidos por férias.
3.1.3.2 -Recomendam-se os seguintes estágios opcionais:
a) Cardiologia;
b) Neurologia;
c) Dermatologia;
d) Doenças infecciosas.
3.2 -Sequência dos estágios:
3.2.1 -O1º e o último ano de internato são obrigatoriamente efectuados em serviço de medicina interna.
3.2.2 -O estágio de medicina de cuidados intensivos polivalentes deverá efectuar-se no 2º ou 3ºano do internato.
3.2.3 -Os estágios opcionais deverão efectuar-se a partir do 2ºano do internato.
4 – Local de formação para cada estágio:
4.1 -O estágio de medicina interna será realizado em serviços de medicina interna.
4.2 -O estágio de medicina de cuidados intensivos polivalentes será realizado em serviços ou unidades de cuidados intensivos polivalentes.
4.3 -Os estágios opcionais serão desenvolvidos em serviços e ou unidades com a denominação correspondente ao respectivo estágio.
5 – Objectivos dos estágios:
5.1 -Estágio em medicina interna:
5.1.1 -Objectivos de desempenho:
5.1.1.1 -1ºano:
a) Colheita e elaboração de histórias clínicas, emissão de diagnósticos clínicos provisórios, solicitação de exames complementares de diagnóstico, interpretação de anomalias clínico-laboratoriais, integração de todos os elementos de investigação clínica, obtenção de um diagnóstico final, prescrição e realização de um protocolo terapêutico e definição de um prognóstico;
b) Apresentação oral clara, extensa ou resumida (em forma de epicrise), de casos clínicos, em visita médica ou reunião clínica;
c) Capacidade de apresentação sumária de um conjunto de doentes, em visita médica, reunião de serviço ou transferência de turno de urgência interna;
d) Realização de nota de alta ou transferência;
e) Participação activa em reuniões clínicas;
f) Colaboração no tratamento e manutenção de elementos de informação clínica do serviço (arquivo);
g) Realização/participação activa em sessões temáticas ou de revisão bibliográfica;
h) Assistência às necropsias anátomo-clínicas que requisitou (ou outras); discussão dos estudos macro e microscópicos decorrentes;
i) Assimilação e emprego com conveniência das regras que regem a solicitação de serviços de outras especialidades;
j) Execução das seguintes técnicas:
1) Punção e canalização das veias periféricas;
2) Punção arterial (para diagnóstico);
3) Toracocentese (com ou sem biopsia pleural);
4) Paracentese abdominal;
5) Punção lombar;
6) Avaliação electrocardiográfica;
7) Reanimação cardiorrespiratória: suporte vital básico (ABC);
k) Familiarização e eventual execução de outras técnicas, nomeadamente:
1) Punção medular (com ou sem biopsia óssea);
2) Biopsia hepática percutânea;
3) Reanimação cardiorrespiratória: suporte vital avançado;
l) Conhecimento e interpretação dos testes de estatística descritiva; em opção: capacidade de emprego de programas informatizados de estatística aplicados às ciências biológicas;
m) Conhecimento e aplicação dos consensos da ética e da deontologia médicas;
n) Participação em publicações clínicas ou e científicas;
o) Participação em cursos de pós-graduação (nacionais ou estrangeiros) de interesse e mérito reconhecidos.
5.1.1.2 -2ºe 3ºanos.-Aprofundamento e desenvolvimento gradual do desempenho iniciado no 1ºano em todos os itens enunciados.
5.1.1.3 -4ºano:
a) Autonomia no desempenho dos itens referidos anteriormente;
b) Fornecimento de serviços de consultoria a outras especialidades.
5.1.2 -Objectivos de conhecimento:
5.1.2.1 -1ºano.-Etiopatogenia, epidemiologia, fisiopatologia, anatomia patológica, semiologia clínica e laboratorial, diagnóstico e terapêutica de entidades nosológicas incluídas nas seguintes áreas:
a) Aparelho cardiovascular;
b) Aparelho respiratório;
c) Aparelho digestivo;
d) Aparelho urinário;
e) Aparelho locomotor;
f) Sistema nervoso;
g) Sistema hematopoiético;
h) Glândulas endócrinas;
i) Metabolismo e nutrição;
j) Imunologia e auto-imunidade;
k) Oncologia;
l) Infecciologia;
m) Toxicologia.
5.1.2.2 -2º, 3ºe 4ºanos.-Aprofundamento dos conhecimentos nas áreas referidas.
5.2 -Estágio em medicina de cuidados intensivos polivalentes:
5.2.1 -Objectivos de desempenho.-Execução de técnicas de diagnóstico e terapêutica em doentes em cuidados intensivos, nomeadamente:
a) Monitorização electrocardiográfica;
b) Monitorização clínica e laboratorial da função respiratória;
c) Cateterismo venoso central, percutâneo;
d) Cateterismo arterial, percutâneo;
e) Cateterismo das artérias pulmonares, com cateter de balão dirigido por fluxo (C. Swan-Ganz);
f) Entubação endotraqueal;
g) Manutenção das vias aéreas;
h) Suporte ventilatório mecânico; suas modalidades;
i) Suporte nutricional entérico e parentérico;
j) Instalação de estimulador cardíaco transvenoso, provisório (pacing provisório);
k) Pericardiocentese (diagnóstica/terapêutica);
l) Drenagem torácica (pneumotórax, hemotórax, empiema);
m) Instalação e monitorização de meios de suporte da função renal (não obrigatório);
n) Técnicas de analgesia, sedação;
o) Broncofibroscopia (não obrigatório).
5.2.2 -Objectivos de conhecimento:
a) Conhecimento de critérios de admissão e alta das unidades de cuidados intensivos;
b) Vigilância e monitorização (invasiva/não invasiva) de doentes em estado crítico;
c) Reanimação e terapêutica do choque;
d) Reanimação cardiorrespiratória (e cerebral);
e) Alterações do equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base;
f) Emprego de soluções parenterais;
g) Transfusão de sangue e derivados;
h) Fisiopatologia e terapêutica das alterações agudas da coagulação;
i) Fisiopatologia e terapêutica substitutiva das situações de insuficiência respiratória;
j) Fisiopatologia e terapêutica substitutiva das situações de insuficiência renal;
k) Fisiopatologia e terapêutica substitutiva das situações agudas do sistema cardiovascular;
l) Fisiopatologia e terapêutica da insuficiência hepática aguda, e das hemorragias gastrintestinais;
m) Fisiopatologia e terapêutica das crises endócrinas agudas;
n) Infecções graves (com compromisso funcional, da comunidade ou nosocomiais);
o) Avaliação e tratamento em pós-operatório;
p) Abordagem do grande traumatizado;
q) Abordagem das principais intoxicações.
5.3 -Estágios opcionais:
5.3.1 -Estágio em cardiologia:
5.3.1.1 -Objectivos de desempenho:
a) A execução das técnicas básicas de diagnóstico e terapêutica em cardiologia deve ser o objectivo de desempenho do estágio;
b) A familiarização com as seguintes técnicas é desejável:
1) Monitorização ambulatória da pressão arterial;
2) Electrocardiografia dinâmica (Holter);
3) Ecocardiografia transtorácica e transesofágica;
4) Electrocardiograma de esforço;
5) Cintigrama do miocárdio.
5.3.1.2 -Objectivos de conhecimento.-Etiopatogenia, epidemiologia, fisiopatologia, anatomia patológica, semiologia clínica e laboratorial, diagnóstico e terapêutica das doenças das artérias coronárias, das valvulopatias, das arritmias e, particularmente, das modalidades de envolvimento cardíaco nas doenças de outros aparelhos e nas afecções sistémicas.
5.3.2 -Neurologia:
5.3.2.1 -Objectivos de desempenho:
a) Considera-se fundamental o emprego autónomo das regras de semiologia clínica do sistema nervoso central e periférico na realização do exame neurológico e sua interpretação;
b) A familiarização com as seguintes técnicas é desejável:
1) Electroencefalograma;
2) Tomografia axial computorizada cranioencefálica;
3) Ressonância magnética nuclear cervico-craniana.
5.3.2.2 -Objectivos de conhecimento.-Etiopatologia, epidemiologia, fisiopatologia, anatomia patológica, semiologia clínica e laboratorial, diagnóstico e terapêutica das doenças cerebrovasculares, das situações de urgência neurocirúrgica, das principais doenças metabólicas, degenerativas e neoplásicas do sistema nervoso central eperiférico, particularmente dos cenários de envolvimento neurológico das doenças de outros aparelhos, e das sistémicas.
5.3.3 -Dermatologia:
5.3.3.1 -Objectivos de desempenho.-Observação sistemática de situações clínicas dermatológicas, com especial relevância para as manifestações cutâneas das doenças sistémicas.
5.3.3.2 -Objectivos de conhecimento:
a) Etiopatologia, epidemiologia, fisiopatologia, anatomia patológica, semiologia clínica e laboratorial, diagnóstico e terapêutica das doenças dermatológicas principais (particularmente infecciosas e neoplásicas) e das manifestações cutâneas das doenças de outros aparelhos, e das sistémicas;
b) Conhecimento e identificação das manifestações dermatológicas associadas ao síndrome de imunodeficiência adquirida.
5.3.4 -Doenças infecciosas:
5.3.4.1 -Objectivos de desempenho.-Observação e acompanhamento clínico de casos de patologia infecciosa, com especial atenção ao síndrome de imunodeficiência adquirida e suas complicações.
5.3.4.2 -Objectivos de conhecimento:
a) Etiopatogenia, epidemiologia, fisiopatologia, anatomia patológica, semiologia clínica e laboratorial, diagnóstico e terapêutica das principais doenças infecciosas;
b) Identificação dos problemas infecciosos associados à toxicodependência;
c) Abordagem dos problemas infecciosos associados ao síndrome da imunodeficiência adquirida;
d) Antibioterapia curativa e profiláctica;
e) Resistência bacteriana à acção dos antibióticos;
f) Indicações para isolamento;
g) Vacinações.
6 –Avaliação:
6.1 -A avaliação é feita de acordo com o estabelecido nos capítulos VIII e IX do Regulamento dos Internatos Complementares, aprovado pela Portaria n.º 695/95, de 30 de Junho.
6.2 -Avaliação de desempenho:
6.2.1 -Desempenho individual:
a) Capacidade de execução técnica -ponderação 4;
b) Interesse pela valorização profissional -ponderação 3;
c) Responsabilidade profissional -ponderação 2;
d) Relações humanas no trabalho-ponderação 1.
6.3 -Avaliação de conhecimentos:
6.3.1 -Os estágios opcionais serão avaliados conjuntamente com a mais próxima avaliação de conhecimentos, com base num relatório de actividades.
6.3.2 -As restantes avaliações de conhecimentos, no final de cada estágio ou por cada 12 meses de internato, consistirão na:
a) Apreciação do relatório de actividades e trabalhos produzidos pelo interno;
b) Discussão das matérias estabelecidas como objectivos de conhecimentos para o estágio ou período de estágio;
c) Discussão de um relatório escrito, construído com base na entrevista e observação de um doente e onde constem o diagnóstico, a terapêutica e a epicrise.
7 –Disposições finais:
7.1 -O presente programa entra em vigor em 1de Janeiro de 1998 e aplica-se aos internos que iniciarem o internato a partir dessa data.
7.2 -Pode facultativamente abranger os internos já em formação que iniciaram o seu internato em 1995, 1996 e1997; nesse caso, os interessados deverão entregar na direcção do internato do seu hospital, no prazo de dois meses a partir da publicação deste programa, uma declaração em que conste a sua pretensão, com a concordância averbada do respectivo director de serviço e orientador de formação.