Para além da Covid-19: Internistas apresentam os melhores estudos relacionados com a Diabetes em 2020

O Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus (NEDM), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), realizou este sábado a Reunião Gluco Storm – Highlights Diabetes 2020, que decorreu em formato virtual e cujo objetivo passou por discutir os principais estudos relacionados com a Diabetes Mellitus, durante o ano de 2020.

Durante a sessão de abertura, Estevão Pape, coordenador do NEDM, destacou a grande utilidade desta reunião, uma vez que a Diabetes Mellitus acaba por tocar em todas as áreas da medicina.

Diabetes e Covid

Luís Andrade e Pedro Oliveira, do Hospital de Gaia, deram início à sessão com o tema “Diabetes & Covid-19”. Através da revisão de literatura, cujo objeto de estudo decorreu da análise de cinco artigos, em que as principais conclusões retiradas sugerem que os indivíduos com Sars-Cov2, que necessitam de hospitalização, são mais frequentemente diabéticos e/ou obesos, com maior prevalência no sexo masculino, apresentando quadros clínicos mais severos do que doentes não diabéticos ou não obesos.

Pedro Oliveira, referiu que “nos casos mais graves, a insulina deve ser o antidiabético de escolha”.

Quanto aos indivíduos não diabéticos, verificou-se que a infeção por Sars-Cov-2, pode afetar o pâncreas, originando diabetes, após a recuperação da Covid-19.

É de realçar também que os doentes diabéticos estão mais propensos a que ocorra uma lesão pancreática, uma vez que o pâncreas poderá ser um dos órgãos atingidos.

Os internistas relembram que existe uma enorme necessidade de insulina, por haver um aumento do risco de coagulação, nestes doentes.

Pedro Oliveira acrescentou: “O mau controlo metabólico prévio e durante o internamento está associado a um maior risco de mortalidade. A medição da ferritina e plaquetas PCR e IVs poderão identificar indivíduos com reação inflamatória, sendo que estes poderão beneficiar de corticoesteroides.”

Não obstante, apontaram que o uso de corticoesteroides, nomeadamente a dexametasona, poderão levar a alterações dos níveis de insulina, podendo resultar em hiperglicemia, nos doentes diabéticos.

Para terminar, Luís Andrade e Pedro Oliveira, demonstram a potencial interação entre os inibidores DDP4 e a Enzima Conversora da Angiotensina, que poderão ser agentes anti-inflamatórios na terapêutica da infeção por Covid-19.

Inovar com Diabetes Mellitus

De seguida, Rui Almeida e Martim Trovão Bastos, do Hospital Fernando da Fonseca, trazem-nos o tema “Inovações terapêuticas e tecnológicas”, onde apresentam as principais inovações tecnológicas nos sistemas de monitorização de glicémia da Diabetes Mellitus tipo 2.

Como primeiro tópico, Martim Trovão apontou a mais recente inovação, a Accu-Check, um sistema de insulina em que uma das suas principais vantagens passa pela terapêutica através da administração de insulina semanal, ao invés de insulina diária.

Refere ainda que “o tratamento por insulina semanal versus diária, acarreta inúmeros benefícios para o doente, nomeadamente a diminuição da carga de tratamento para o doente e redução da inércia terapêutica, mantendo um controlo metabólico semelhante ou eventualmente melhorado e um baixo risco de hipoglicemia”.

De forma geral, os resultados comprovaram que existiu eficácia da insulina, no controlo metabólico e também no perfil glicémico.

“Verificou-se, igualmente, um aumento do timing range, para valores acima dos 70 por cento, mantendo-se ao longo do estudo, baixos valores de tempo em hipoglicémia”, referiu o interno.

A par desta inovação, o interno do Hospital Fernando da Fonseca, remeteu-nos para outros avanços, nomeadamente nos sistemas de monitorização contínua da glicose, considerando que a monitorização da glicose intersticial mudou completamente o paradigma da Diabetes, nos últimos 5 anos, no que respeita ao aumento do conforto e da qualidade vida dos doentes.

“Oferece várias vantagens em relação à hemoglobina A1C. Por enquanto, ainda não é uma média, mas também nos oferece informações sobre a variabilidade glicémica e a existência e duração dos períodos de hipoglicemia dos doentes. É vantajoso também noutras situações clínicas, tais como anemias e hemoglobinopatias”, disse.

“As guidelines de 2020, vêm recomendar a utilização destes sistemas em doentes com Diabetes Mellitus tipo 1, visando reduzir os níveis de A1C e de hipoglicemia”, terminou.

Em 2019, após consenso internacional, foi realizada a validação de uma das variáveis, o timing range, para a utilização com outcame, em ensaios clínicos.

“Sumariamente, estudos apresentam, no respeitante aos targets da Diabetes Mellitus tipo 1 e tipo 2 são mais de 70 por cento de timing range, menos de 25 por cento do tempo acima dos 180 mg/dl e menos de 4 por cento de tempo passado em hipoglicemia. E, por fim, menos de 1 por cento em hipoglicemia extrema.”, referiu.

Lembrou ainda, que nos indivíduos idosos com diabetes e mais frágeis, o timing range, recomendado é acima de 50 por cento, com menos de 50 por cento do tempo acima dos 180 mg/dl, com o grande objetivo de diminuir ao máximo, o tempo passado em hipoglicemia para menos de 1 por cento.

“Já nas grávidas, só houve evidência para emitir recomendações relativas com diabetes tipo 1, sendo que o que fizeram foi baixar o intervalo de timing range para 63 a 140 mg/dl e depois utilizaram as mesmas percentagens das mulheres com diabetes tipo 1, não grávidas”, terminou.

Falou-se ainda dos avanços dos sistemas de perfusão subcutânea contínuo de insulina e de dois estudos subsequentes de bombas de insulina.

“As bombas de insulina também têm evoluído muito ao longo dos tempos, e estão associadas a administração mais fisiológica, pequenas doses de insulina, menor risco de hipoglicemia, menor variabilidade glicémica, controlo metabólico, menos injeções, menos insulina, maior flexibilidade, resultando numa maior qualidade de vida dos doentes”, afirmou Martim Trovão.

O interno mencionou  ainda, que a principal revolução no tratamento da Diabetes Mellitus tipo 1 está a ocorrer agora com o surgimento de bombas novas, como o sensor Augmented Pumps e Sistemas Híbridos, o Cloosed Loop Systems, que combinam um sistema de monitorização contínua de glicose com uma bomba de insulina para regular, consoante algoritmos mais ou menos complexos, a administração de insulina, tornando a gestão da diabetes muito mais automática e independente do ponto de vista do doente.

“As guidelines são categóricas a recomendar as bombas de insulina em todos os indivíduos com diabetes mellitus tipo 1, que as consigam utilizar em segurança”, realçou Martim Trovão.

Uma das grandes vantagens associadas ao Sensor Augmented Pumps está relacionada com o seu sensor que suspende a administração de insulina quando se prevê uma hipoglicemia, sendo recomendados justamente para prevenir hipoglicemias.

Já, as bombas Cloosed Loop Systems são recomendadas para aumentar o timing range e diminuir a Hemoglobina A1C e o risco de hipoglicemia.

Martim Trovão, referiu ainda que “dispomos de um programa para colocação de bombas de insulina, que privilegia doentes com mau controlo metabólico, grávidas e pessoas com necessidades de pequenas doses de insulina, nomeadamente, crianças. E, se a Covid permitir, a partir de 2021, está previsto o alargamento da cobertura a todas as pessoas com Diabetes Mellitus tipo 1, independentemente da idade”.

No que concerne aos estudos de bombas de nova geração, o internista mencionou o estudo relativo à Mini Med 780 G, uma bomba de nova geração avançada, que tem características que a diferenciam das anteriores, nomeadamente o target basal e o bolus de correção automática mais baixa, de 100 mg/dl, e um opcional de 120mg/dl.

Está comprovado que esta bomba aumenta o timing range, diminui a glicose média e existe uma maior permanência da bomba em modo automático, resultando numa maior satisfação dos doentes.

Através do estudo, comprovou-se que “houve um aumento do timing range em 70 por cento em todos os grupos e populações de estudo. Discriminadamente, a utilização desta bomba foi associada a um aumento dos doentes a atingir um timing range acima de 70 por cento, passando de 45 por cento a 70 por cento, sobretudo no grupo com target mais baixo, com um aumento dos doentes a cumprir o time below range a menos de 4 por cento”.

Outro estudo referenciou ainda, a Ominpod 5, uma pequena bomba de insulina, que se junta à pele com sensor e acoplada a um telemóvel, fornece um gestor pessoal da diabetes.

“O estudo reportou 18 doentes, nas férias de Natal, e os resultados foram marcantes com o aumento do timing range. O que nos choca foi o tempo que os doentes tiverem em modo automático. 97,2 por cento do tempo foi o aparelho a tratar da diabetes e o doente esteve livre para passar o Natal, em família”, terminou.

Rui Almeida, relembrou para importância de haver uma aposta na educação dos doentes, porque de nada serve ter aparelhos, se os doentes não os sabem utilizar.

Contudo, afirmou que, para este efeito, deve ser dado mais tempo ao médico para educar o doente.

Inibidores SGLT2 na proteção renal e insuficiência cardíaca

Ana Corte Real e Joana Louro, do Centro Hospitalar do Oeste, Caldas da Rainha, apresentaram os cinco trabalhos mais relevantes, no ano de 2020, subordinados ao tema “Ensaios Renais e Cardiovasculares”, onde falaram sobre os inibidores SGLT2.

Começaram por referir o primeiro estudo, o Dapa- CDK, em que testaram o fármaco dapaglifozina.

“A molécula em estudo, tem benefício quer na nefropatia diabética, quer na nefropatia de outras causas que foram incluídas neste estudo. Este foi o grande avanço da nefrologia e que acabou por deixar em aberto aqui uma grande porta”, referiu Ana Corte Real.

E acrescentou: “Um outro estudo, remeteu-nos ainda para o fármaco empaglifozina, em que ocorreu uma redução da morte cardiovascular e hospitalização por insuficência cardíaca, com uma redução de 25 por cento dos eventos. Quando olhamos para a hospitalização por insuficiência cardíaca, essa redução foi mais evidente, na ordem dos 30 por cento”.

No referido estudo, a empaglifozina parecia ser um mecanismo de proteção quer o doente apresentasse ou não história de insuficiência cardíaca. E, por outro lado, os doentes que particularmente pareciam beneficiar da molécula, eram os que tinham taxa de filtração mais baixas, já com algum grau de albuminúria, e particularmente aqueles que estavam sob diurético.

Para terminar, a internista remete-nos para uma outra investigação em que a sotaglifozina, foi a estrela.

“Neste estudo, foi testada uma população de doentes diabéticos, que tinham sido internados por uma agudização da insuficiência cardíaca, e ficou comprovado que os doentes com infração de ejeção inferior a 50 por cento como os que tinham uma infração de ejeção preservada obtiveram uma franca redução de eventos”, aferiu.

Ana Lares, lançou a questão: “Será que temos aqui um fármaco que poderá mudar o prognóstico da Insuficiência Cardíaca com fração de injeção preservada?”

Em tom de jeito final, a interna, realçou que “os inibidores SGLT2, foram a grande classe, em termos de estudos que saíram este ano, e, sem dúvida, a provar a carga e a reno proteção, especialmente nos doentes diabéticos, mas não só”.

Joana Louro, internista, acrescentou ainda: “Pela primeira vez, temos um fármaco que previne a doença, porque estes medicamentos, no que diz respeito à proteção renal e à IC, previnem que aconteça ou que tenha manifestações clínicas. Tratam a doença no sentido em que melhoram os sintomas e isso é evidente na insuficiência cardíaca, em que mudam o prognóstico.”

Referiu ainda que os diabetologistas, já estavam muito satisfeitos com os resultados. Agora, a Cardiologia e a Nefrologia têm também motivos para estar satisfeitas, uma vez que este fármaco é o segundo que mais reduz a mortalidade, a seguir à diálise.

“A dapafiglozina já está aprovada para o tratamento da IC mesmo em doentes sem diabetes e os inibidores SGLT2 já são uns pilares da insuficiência cardíaca segundo os consensos da ESC, faltando apenas aprovação”, concluiu.

Disfunção muscular na diabetes

Na última sessão, moderada por Mónica Reis, foram apresentadas as bolsas vencedoras de 2019: A Bolsa Helena Saldanha / Boehringer Ingelheim e a Bolsa NEDM/ Lilly.

A vencedora de ambas as bolsas foi Joana Rigor, interna do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, com os temas “Obesidade Sarcopénica e Diabetes Mellitus Tipo 2: Prevalência e Risco vascular” e “O papel do Musculo-Esquelético no Dismetabolismo Mucinas em Diabetes Mellitus Tipo 2”.

No tema da Diabetes Mellitus tipo 2 e na sua relação com o músculo, a interna recordou que esta patologia é muito mais do que uma doença do metabolismo da glicose. Representando também um estado de inflamação basal multisistémico.

Joana Rigor afirmou que, “ao contrário do que se pensava há uns anos, é um órgão endócrino, com capacidade de produção de substâncias autócrinas, parácrinas e endócrinas que são as mucinas. Estas influenciam variados sistemas, nomeadamente a gordura, o fígado, o pâncreas e o coração. Há outros processos também associados à desregulação metabólica do músculo na diabetes, como a resistência à insulina”.

A interna clarificou ainda algumas definições, como a sarcopenia, que para além de se caracterizar como uma baixa de massa muscular, o mais importante é a disfunção muscular, que deve ser o primeiro sintoma que o médico deve procurar, juntamente com a falta de força ou performance. Só depois é que deve ser analisado a massa muscular e a qualidade do músculo.

Destacou alguns métodos para detetar a falta de força, de performance e de massa muscular. Para quantificar a massa muscular foi utilizado, a DXA (Dual-energy X-ray absorptiometry), que nos permite verificar o que é músculo, gordura ou osso.

“De seguida, para avaliar a força e a performance acabaram por aplicar o SPPB (Short Physical Performance Battery), que consiste em três testes, muito rápidos e fáceis de aplicar, com uma necessidade limitada de material, onde só é necessário o doente, uma cadeira, uma fita métrica e um temporizador. Pode ser aplicado em contexto de consulta como nós fizemos ou até no internamento. E também incluí o teste da cadeira, que é o recomendado para aferir a força muscular”, afirmou.

Joana Rigor indicou que o trabalho “Obesidade Sarcopénica em Diabetes Mellitus Tipo 2: Prevalência e Risco Vascular” teve como objetivo determinar a prevalência da Sarcopenia e dos seus componentes (baixa massa muscular, baixa função muscular em indivíduos com diabetes). Tentar caracterizar globalmente a composição corporal do doente, em doentes com síndrome metabólico, relacionando-o com os vários elementos e com a composição e resistência à insulina, utilizando o Homa-IR, e com a elevação dos parâmetros inflamatórios, e tentar relacionar também com a presença de lesão nos órgãos alvos.

Já no trabalho “O papel do Musculo-Esquelético no Dismetabolismo: Miucinas em Diabetes Mellitus Tipo 2”, tentaram avaliar as mucinas e o seu papel no músculo-esquelético, na presença de Diabetes Mellitus Tipo 2, tentando determinar o padrão de mucinas que estavam associados com a presença de Diabetes, relacionando-as com a resistência à insulina também com as lesões de órgãos-alvo.

“Concluímos que não existe uma relação entre mucinas e melhor massa muscular. Existe sim, mais disfunção muscular na diabetes, e que esta disfunção muscular está associada à resistência à insulina nestes doentes”, terminou.

Joana Louro e Estevão Pape, fazem as honras finais e agradecem a participação de todos, reforçando mais uma vez a importância deste tipo de estudos para o universo da Diabetes Mellitus.

(30/11/2020)