O clima, o ambiente e a responsabilidade dos profissionais de saúde
Os dados atuais e as previsões científicas sobre as consequências do aquecimento global são dramáticos, mas, para além das mudanças climáticas, outros fenômenos estão afectar os seres humanos: superpopulação, esgotamento das reservas naturais e degradação dos ecossistemas.
Levamos 200.000 anos para atingir uma população mundial de 1 bilhão, no ano de 1804, mas, desde então, apenas 218 anos para atingir o número atual de 7,8 bilhões. Assiste-se a um rápido esgotamento dos recursos naturais, à degradação dos ecossistemas e à perda da biodiversidade. Para sustentar nosso estilo de vida do século 21, estamos a usar em excesso a biocapacidade da Terra em pelo menos 56%. Desde 1970, a nossa pegada ecológica excedeu a taxa de regeneração da Terra. O reconhecimento de que as atividades humanas começaram a ter um efeito global substancial sobre os sistemas da Terra levou à proposta de definir a época geológica atual, como a época do Antropoceno. Muitas mudanças devido a emissões de gases com efeito de estufa (GEE), passadas e futuras, são irreversíveis, especialmente as mudanças nos oceanos, nas camadas de gelo e no nível do mar
As alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas já estão a ter um impacto significativo na saúde das pessoas. O maior estudo do mundo sobre mortalidade global relacionada com o clima concluiu que mais de cinco milhões de mortes em excesso por ano podem ser atribuídas a temperaturas anormalmente extremas, e a poluição é actualmente responsável por aproximadamente 9 milhões de mortes por ano (uma em cada seis mortes em todo o mundo.
Por outro lado, o setor de saúde tem uma pegada ecológica que equivale a 4,4% das emissões líquidas globais de GEE. Se o setor saúde fosse um país, seria o quinto maior emissor do planeta. No entanto, o impacto do setor de saúde no meio ambiente não se dá apenas pelas emissões de GEE, mas por muitos outros mecanismos; por exemplo, estima-se que 8,4 milhões de toneladas de resíduos de máscaras plásticas associadas à pandemia foram gerados em 193 países em agosto de 2021, com 25,9 mil toneladas lançadas no oceano. A biodegradação das máscaras demorará pelo menos 450 anos.
Os médicos e os profissionais de saúde em geral— como defensores dos doentes, mas também como cidadãos — têm a obrigação ética de se envolver nos esforços para parar as alterações climáticas e a degradação ambiental. A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, em 2017, foi a primeira sociedade de Medicina Interna a tomar posição pública e emitir recomendações sobre este tema. Ainda o mês passado, também a Federação Europeia de Medicina Interna publicou um apelo neste sentido. A nível nacional, isso inclui defender a adoção de medidas que reduzam as emissões de GEE e a degradação ambiental e apoiar as decisões políticas neste âmbito. A nível hospitalar e na prática clínica, é vital apoiar as ações do setor da saúde para reduzir a sua pegada ecológica. Ao nível das organizações relacionadas com a saúde é prioritário promover atividades educativas e preparar os sistemas de saúde para melhor cuidar dos cidadãos que sofrem as consequências das alterações climáticas. A nível pessoal, os profissionais de saúde devem ser agentes ativos na defesa de práticas sustentáveis para o meio ambiente, aumentando a conscientização da comunidade sobre os riscos para a saúde das mudanças climáticas e da degradação ambiental e sendo modelos na adoção de comportamentos ecologicamente corretos.
É urgente falar destes assuntos a uma só voz para que nos façamos ouvir, difundir o muito que já está a ser feito a nível de muitas organizações e agregar as instituições relacionadas com saúde neste objectivo comum. Cuidar do meio ambiente é cuidar da própria saúde e da saúde dos outros, mas antes de tudo defender o direito a uma vida sustentável, feliz e saudável!
Este artigo foi publicado, no dia 26 de setembro, no Diário de Notícias
Luís Campos – Presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna
(26/09/2022)