Insulina: 100º aniversário
Pretendo com este despretensioso texto responder à solicitação do Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEDM da SPMI) a quem desde já agradeço a oportunidade de desta forma, participar na iniciativa www.100anosinsulina.pt,e de também me associar numa merecida homenagem à senhora centenária “Insulina”.
Quero aqui e em todas as oportunidades que dispor, prestar a minha singela, modesta mas reconhecida homenagem a todos quanto por qualquer forma têm contribuído para o progresso do conhecimento sobre insulina e também sobre diabetes, e referir que além dos nomes mencionados neste texto há muitos outros de grande importância que merecem reconhecimento, mas que por lapso ou minha própria ignorância aqui são omitidos pelo que me penitencio com um público pedido de desculpas ( quando se usufrui de um bom vinho seria bom reconhecer os muitos intervenientes que contribuíram nos cuidados com a vinha e com o processo da sua produção…)
Peço ainda que seja lida por cada nome de pessoa mencionada, uma história de vida intensamente marcada e influenciada pela insulina, umas romance, outras drama…umas com final feliz, outras nem por isso… e porque celebrar a Insulina é celebrar a vida, pois antes da sua descoberta, ou melhor antes do seu isolamento, ou ainda melhor antes da sua utilização, por exemplo ter diabetes era equivalente a uma condenação à morte precoce e sofrida, e uma questão se nos põe desde logo, esta pretendida e mais que justificada celebração deverá ser dirigida a quê , ou a quem?? Pois não sei…, o que sei é que toda a humanidade representada por certa e mais interessada comunidade, tem motivo de regozijo pelo conhecimento da insulina , se bem que reconheço, muito acerca dela ainda se há-de descobrir, e, se foi identificada em 1921 e por um “ortopedista –Frederick Banting”, a sua história começou a escrever-se muito antes e temos a certeza que irá continuar a muito se escrever para além da presente data….
Insulina, um nome, antes um título duma narrativa muito ligada a outra com alguns, mas muito fortes pontos em que se cruzam: a “diabetes” e, como que incorporando o ditado “dizme com quem andas, dir-te-ei quem és”, mutuamente unidas no contributo para melhorar o conhecimento uma da outra e mesmo de outras vertentes do saber médico sobretudo no âmbito do metabolismo.
Fazer menção à história agora centenária da insulina pode ser feita de forma “romanceada” pois a esse fim presidiram em muitos, variados e importantes casos, sentimentos de afeto, amor e de sobrevivência que fariam excelentes cartazes cinematográficos. Muitos dos presentes comigo concordarão e que como eu ou até ainda melhor que eu, poderiam juntar aos exemplos referidos muitas e algumas bonitas outras histórias, até mesmo pessoais ou de pessoas conhecidas.
Uma sequência de acontecimentos de elevado relevo e impacto na história da Insulina, do saber médico e até da humanidade, alguns deles cheios de afeto, foram responsáveis pelo avanço do conhecimento científico e revelaram-se merecedores de vários prémios Nobel, outros deram lugar e geraram inúmeros projetos de investigação, muitos deles tornados públicos na forma de teses de mestrado e de teses de doutoramento e ainda também um imenso número de “trabalhos” que testemunham o interesse e a motivação despertada pela “Insulina” num importante contributo para melhor entendimento da “diabetes mellitus”. A este processo, nomes de muitas individualidades ficaram ligados, muitos outros apesar de importantes, são omitidos, esquecidos ou mesmo apagados (saiba-se lá porquê…)
Agora, um pouco mais centrados no que aqui nos trouxe, a celebração da descoberta da insulina (substância produzida por ilhas celulares pancreáticas – insula em latim) que acontece em 2021 pela mão de Frederick Banting e de Charles Best e, precedida pelo registado interesse de muitas personalidades envolvidas até ao culminar do processo que eclodiu com a sua utilização, primeiro em animal (ex.: Marjorie) e depois em humanos, ex.: Leonard Thompson, que foi a primeira pessoa a receber injeções de insulina e que viveu ainda 13 anos depois da sua primeira dose … (terá falecido aos 26A de Pneumonia), também aqui me parece oportuno uma merecida referência a Elizabeth Hudges Gossett, a primeira americana e uma das primeiras pessoas do mundo a receber insulina também em 1922 quando tinha 11 anos, recebeu cerca de 42000 doses na vida que durou até 1981, filha de influente político americano, graduada no Barnard College em 1929, casou em 1930 e teve duas filhas e um filho, ter-se-ia perdido esta história de vida e várias outras, umas relatadas outras não, e que aconteceram pela mesma razão : a Insulina
Seja–me então agora e aqui permitido mencionar algumas das que considero notáveis referências cronológicas ligadas à Insulina que mais me prenderam a atenção:
- em 1869 – o ainda estudante de medicina em Berlim, Paul Langerhans, (que veio a viver até morrer em Portugal, na ilha da Madeira) identificou na estrutura celular do pâncreas os “ilhéus”
- em 1889 – MinKowski e Mering estabeleceram a relação do pâncreas com a diabetes
- em 1910 – Sharpey-Shafer propôs o nome de “Insulina” para a substância produzida nos ilhéus pancreáticos cuja falta causava diabetes
- em 1921 – No Instituto de Fisiologia da Universidade de Toronto com John Macleod como diretor, Frederick Banting e Charles Best descobriram, e com a colaboração do bioquímico James Collip, isolaram e usaram com sucesso progressivo a insulina, primeiro em animais e depois em humanos
- em 1922 (11 de Janeiro) – Leonard Thompson, um diabético de quatorze anos, foi o primeiro ser humano a receber a injeção de insulina (bovina)
- em 1922 – Banting, Best,Macleod e James Collip , mercê dos progressos técnicos, químicos e de engenharia, trabalharam com considerável sucesso no processo de purificação, e modificação dos tempos de ação da insulina, e entretanto puderam contar com o importante apoio do farmacêutico industrial americano Eli Lilly, e o manifesto e influenciado interesse de August Krogh e esposa Marie, figuras de grande relevo na história da insulina porquanto eram um casal de médicos notáveis fisiologistas dinamarqueses, mundialmente prestigiados, laureados com prémio Nobel . Marie era médica e também diabética e ao ouvir o que se falava da “insulina” exerceu toda a influência possível e necessária para a obter e com o marido começaram uma outra interessante história – a do “Nordisk Insulinlaboratorium”. Com a conseguida autorização de “Toronto” para produzir e vender a insulina na Escandinávia, August Krogh fundou a empresa “Nordisk Insulinlaboratorium” em parceria com o médico dinamarquês Hans Christian Hagedorn, e com assistência financeira do farmacêutico dinamarquês August Kongsted.
- em 1923 – Macleod e Banting foram distinguidos com o prémio Nobel e a patente da Insulina adquirida pela Universidade de Toronto, e ainda neste ano, Eli Lilly and Company (Lilly) produz quantidades comerciais de insulina bovina e no outro lado do Atlântico surge a formação do Insulinlaboratorium Nordisk na Dinamarca precursor do atual Novo Nordisk
- em 1924 – o Insulinlaboratorium Nordisk conseguiu produzir insulina líquida estável a que chamaram Insulina Novo.
- em 1925 – 16 de Fevereiro – início da comercialização da Insulina Novo, esta data é considerada como a data em que a “Novo” foi fundada
- em – 1926 – Ernesto Roma funda em Portugal a primeira associação de diabéticos do mundo
- em 1936 – no contexto da evolução do conhecimento e das técnicas, eis que os canadenses D.M. Scott e A.M. Fisher formulam a mistura de insulina com o zinco sob licença da Novo e Hagedorn descobre que a adição de protamina à insulina prolonga o efeito e melhora a estabilidade, e na continuidade deste processo
- em 1953 – a associação da ciência à técnica fez com que aparecessem as insulinas de combinação com o zinco. As insulinas semi-lentas, lentas e ultralentas
- em 1958 – o biólogo britânico Frederick Sanger determinou a sequência de aminoácidos da molécula de insulina
- em 1967, – Dorothy Hodgin determinou a configuração espacial da molécula de insulina, pelo que também recebeu um Prémio Nobel.
- em 1970 – surgiram novos tipos de insulinas. Mais puras e, portanto, com menos efeitos secundários e, mais eficazes, chamadas de Monocomponentes (MC).
- em 1978 – Genentech (uma empresa estadunidense de biotecnologia, fundada em 1976 por Robert A. Swanson, e comprada pela Roche em 2009) produz insulina humana “Sintético” em bactérias Escherichia usando a tecnologia do DNA recombinante
- em 1983 – Lilly Humulin produz “sintéticos e recombinantes” de insulina humana.
- em 1985 – Axel Ullrich (bioquímico alemão) apresenta estudo sobre os recetores de insulina humana
- em 1996 – Lilly Humalog lispro análogo de insulina é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), abrindo caminho ao estudo e surgimento de outros análogos de insulina.
Muitas têm sido as descobertas medicamentosas e tecnológicas que reciprocamente se influenciaram no evolutivo conhecimento geral da fisiologia e que contribuíram com relevância nesta área do saber médico, o que aqui me compromete com mais uma homenagem a todos os quantos têm por qualquer forma contribuído neste progresso, pois continuamos a ter por verdade quão importante é celebrar o conhecimento sobre a insulina nas suas múltiplas facetas, e tal é celebrar a própria vida (vida sem insulina não é possível) e quanto mais a conhecermos melhor a podemos e saberemos usar.
Gostaria de em jeito de comentário conclusivo e como forma de um desafio para quem tem algo a haver com este tema, para que encontrem forma de contribuir nesta procura incessante de saber, pois : Insulina e diabetes são assuntos diferentes mas com muitos e importantes pontos comuns, cada um por si e muito mais em conjunto, continuam a despertar o interesse e motivação para a investigação resultando em cada nova descoberta uma relação entre o conhecimento e a sensação do que falta saber, como que dando corpo exemplar ao paradoxo Socrático que diz: “Quanto mais se sabe mais se percebe quão pouco se sabe”!!! o que valida este permanente alimento da curiosidade cientifica…
Eu, Álvaro Coelho, sempre interessado, e que na medida de todas as possibilidades que tive ao dispor, quis servir as pessoas que do meu saber pudessem beneficiar, em particular os portadores de diabetes, tendo a esta causa orgulhosamente dedicado parte da vida.
Bem hajam por partilhar comigo!
Artigo de Opinião de Álvaro Coelho
Médico Internista Diabetologista
Antigo Coordenador do NEDM da SPMI