Hot Topics em Risco Vascular 2020: Reunião online da SPMI mais participada de todos os tempos
Sessão online HOT TOPICS em Risco Vascular 2020 – Leia aqui um resumo da sessão.
O Núcleo de Estudos de Prevenção e Risco Vascular da SPMI realizou, no passado sábado, pela manhã, a sessão online HOT TOPICS em Risco Vascular 2020, que veio a revelar-se a reunião online da SPMI mais participada, até à data. “Tivemos 1200 inscritos, mais de 300 pessoas sempre em direto e contámos com o apoio de mais 14 laboratórios. Estou de coração cheio. Obrigada”, referiu Francisco Araújo, coordenador do Núcleo, no final da sessão.
Os participantes nesta 2.ª edição da HOT TOPICS em Risco Vascular lembraram e homenagearam o internista Pedro Marques da Silva, criador desta iniciativa, falecido há cerca de um ano, fazendo questão de lembrar as suas qualidades enquanto médico e homem, assim como o seu contributo para a evolução e desenvolvimento do tratamento e do seguimento dos doentes com risco vascular.
A sessão contou com oito apresentações, sobre diferentes temáticas da área do risco cardiovascular, protagonizadas por especialistas de várias áreas da Medicina, que foram depois comentadas por especialistas de Medicina Interna. As boas-vindas ficaram a cargo de José Moura, membro da Comissão Organizadora, que após fazer os seus agradecimentos, informou a audiência que poderia colocar as suas dúvidas no chat. “Provavelmente, não haverá tempo para respondermos durante a sessão, mas as perguntas vão ser todas respondidas num fórum destinado aos inscritos. Vão receber o link de acesso”, mencionou.
João Porto, também membro da Comissão Organizadora, foi o responsável pela apresentação dos oradores. Francisco Araujo realizou, como foi já referido, o encerramento.
Hipertensão arterial
A temática da HTA foi focada por Vitória Cunha, internista e membro da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, que falou sobre dois dos estudos que considerou ser os mais importantes deste ano de 2020. O primeiro artigo, de revisão, é referente ao uso da telemedicina na abordagem da HTA.
Para Vitória Cunha, embora com barreiras e benefícios, esta é uma abordagem revolucionária. “Tem sido provado que é uma abordagem útil, apesar de ser necessária mais evidência científica. Considera-se que a telemedicina é um adjunto à prática clínica, que, à partida, será cada vez mais utilizada, sendo a atual pandemia Covid-19 um ‘empurrão’ para que este processo se desenvolva mais rapidamente.”
“Polipílula” foi o segundo tema abordado pela médica. Vitória Cunha referiu que os doentes em politerapêutica têm uma adesão baixa e que, neste sentido, a polipílula tem uma papel muito importante, uma vez tratar-se de “uma solução simples e prática”. Obviamente, cada doente é único e tudo depende do caso. O comentário à intervenção de Vitória Cunha foi feito pelo internista Rogério Ferreira.
Acidente Vascular Cerebral
Gustavo Santo, neurologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, fez o resumo de dois artigos de 2020 e dos resultados de um ensaio clínico, ainda não publicado, mas que considera ser de grande impacto.
“Os resultados do estudo Trials mostram, claramente, uma eficácia na associação de ticagrelor e aspirina versus aspirina, em doentes com AIT e AVC. Naturalmente, à custa de riscos já previsíveis, como hemorragia grave e hemorragia intracerebral”, disse.
Contudo, e como conclusão, Gustavo Santo referiu que esta associação “não traz grande benefício”, quando comparada com o estudo POINT 2018, que comparava o clopidogrel e a aspirina versus aspirina.
O segundo ensaio apresentado pelo neurologista é um subestudo do ensaio clínico Navigation, que fez a comparação entre o rivaroxabano e a aspirina em doentes embólicos. “O subestudo, deste ano, teve como objetivo responder à seguinte questão ‘A fibrilhação auricular tem critérios para anticoagulação. Contudo, estes doentes têm micro hemorragias. Devemos ou não anticoagular, sabendo que corremos o risco de provocar uma macro hemorragia?’. Os resultados dizem-nos que não devemos deixar de anticoagular o doente, apenas porque as micro hemorragias são identificadas, ou seja, devemos fazer a terapia de anticoagulação”, observou o orador.
Gustavo Santo terminou fazendo referência ao estudo, cujos resultados foram apresentados no mês de novembro, não estando ainda publicados, dizendo que este demonstrou que o modelo de tratamento de doentes com oclusão de grande vaso, atualmente utilizado, “é o mais correto. “O doente deve dar entrada no hospital mais próximo, fazer fibrinólise, se tiver indicações, e ser, depois, transferido para outro hospital para fazer tromboendarectomia mecânica”, concluiu. O comentário ficou a cargo da internista Dilva Silva.
Lípidos
Patrícia Mendes, internista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, optou por abordar a temática da prevenção primária e da prevenção secundária farmacológicas do risco cardiovascular, uma vez que atualmente ainda “existem poucas armas terapêuticas”.
De acordo com o estudo evaporate, a que fez menção, “o uso do derivado de ómega 3, EPA (ácido etil eicosapentaenóico), demonstra uma redução significativa do volume da placa aterosclerótica e de eventos isquémicos”.
O segundo estudo abordado por Patrícia Mendes teve como objetivo avaliar a eficácia do inclisiran no tratamento da hipercolesterolemia familiar heterozigótica. “Os doentes que fizeram tratamento com inclisiran apresentaram níveis significativamente mais baixos de coleterol LDL, quando comparados com os que receberam placebo, e com um regime de poucas tomas e um perfil de segurança aceitável. Tendo havido, também, uma descida da lipoproteína a, que é fator de risco independente para a doença cardiovascular arterioesclerotica”, afirmou, referindo que “esta é uma nova arma terapêutica”. O comentário foi feito pela internista Patrícia Vasconcelos.
Diabetes
Miguel Melo, endocrinologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, falou sobre a temática diabetes. O especialista começou por falar em um ensaio clínico, em pessoas com diabetes e insuficiência cardíaca, publicado há cerca de três semanas, que veio responder às “preocupações de segurança em relação à administração de sotagliflozina, após descompensação aguda por insuficiência cardíaca, em pessoas com diabetes tipo 2”. Concluiu que: “é eficaz iniciar um iSGLT precocemente, após um episódio agudo de descompensação de insuficiência cardíaca; é seguro iniciar um iSGLT precocemente, após um episódio agudo de descompensação de insuficiência cardíaca; e que os dados apontam que a intervenção é eficaz na HFpEF.”
O segundo estudo diz respeito às diferenças de sexo quanto aos outcomes cardiovasculares, aos fatores de risco e à terapêutica no âmbito dos ensaios clínicos. “Estamos habituados a discutir este assunto e sabemos que o aumento do risco cardiovascular em mulheres com diabetes é superior ao dos homens. No entanto, os autores do estudo pretenderam rever sistematicamente as diferenças entre sexos, no que respeita ao risco cardiovascular e à utilização de terapêutica protetora”, observou Miguel Melo, acrescentando que os resultados estão em linha com os estudos anteriores.
De acordo com o que referiu, à entrada do estudo, as mulheres apresentavam uma utilização menos frequente de estatinas, aspirina e betabloqueantes; assim como níveis mais elevados de LDL, pressão arterial e A1C. “As explicações possíveis para esta situação podem estar relacionadas com o não reconhecimento do elevado risco cardiovascular em mulheres com diabetes; diferença na adesão ao tratamento; diferença no perfil de efeitos secundários; e, ainda, questões relacionadas com fatores socais que, nas mulheres, podem impedir a frequência das consultas”, enumerou.
E observou: “Na era da Medicina personalizada, torna-se premente aumentar os dados disponíveis em mulheres; e garantir a equidade na qualidade do tratamento, de acordo com as recomendações clínicas.” O comentador deste tema foi o internista Rui Valente.
Cardiopatia isquémica
Manuel Santos, cardiologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, veio falar sobre cardiopatia isquémica, começando por abordar pelo ensaio Ischemia trials, que pretende responder à questão “em doentes estáveis com isquemia pelo menos moderada, há benefício em realizar cateterismo com eventual revascularização, para além da terapêutica médica ótima?”.
Após fazer uma apresentação do estudo, Manuel Santos deixou as seguintes mensagens: “a estratégia invasiva imediata não tem vantagem prognóstica em doentes com síndrome coronária crónica, com isquemia demonstrada, para além da terapêutica médica ótima, com exclusão de angina instável, sintomas graves, doença do tronco comum e insuficiência cardíaca; verificou-se uma melhoria da qualidade de vida no grupo submetido a abordagem invasiva.”
Em segundo lugar, Manuel Santos falou sobre um estudo de deteção de placa instável, referindo que as técnicas de imagem, sobretudo da PET, para deteção da placa vulnerável podem ajudar a refinar a estratificação, podendo contribuir para evitar enfartes, através de revascularização. “Se encontrarmos doentes com mais probabilidade de enfarte podemos candidatá-los a estratégias mais agressivas.” A internista Patricia Mendes fez o comentário.
Insuficiência cardíaca
Patrícia Dias, internista e responsável pela Consulta de Insuficiência Cardíaca do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, focou a sua apresentação em dois artigos. O primeiro pretende estimar o benefício em sobrevida livre de eventos e sobrevida global com terapêutica abrangente (ARNI, BB, MRA e SGLT2i) versus terapêutica convencional (IECA/ARA e BB), em doentes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida.
Não deixando de salientar as várias limitações desta análise e de acordo com a mesma, Patrícia Dias referiu: “Assumindo que os benefícios do uso continuado da terapêutica abrangente se mantêm constantes, ao longo da vida, esta análise exploratória sugere grandes potencias de sobrevida livre de eventos, que pode chegar aos oito anos, e de sobrevida global, até 6 anos.”
De acordo com a internista, “os doentes mais jovens terão maior benefício estimado. Contudo, foram identificados grandes potenciais para todos os grupos etários”.
O segundo artigo é referente à insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. “Ainda não foi em 2020 que surgiu um ponto de viragem na terapêutica para esta patologia, embora tenham sido feitos vários estudos e análises”, mencionou.
E afirmou: “Uma das explicações possíveis para a ausência de êxito dos ensaios clínicos nesta área pode ser a heterogeneidade fisiopatológica, que pode ter importância no desenho de novos ensaios.”
De acordo com Patrícia Dias, as estratégias terapêuticas são muito limitadas, para além de diuréticos e programas de exercício. “Parece haver promessa em alguns estudos que se encontram a decorrer, nomeadamente com inibiodores de SGLT2, sendo dada importância ao papel da fenotipagem destes doentes, como tentativa de identificar subgrupos que possam responder de forma mais favorável a determinadas intervenções terapêuticas”, terminou. Rodrigo Leão, internista, fez o comentário.
Fibrilhação auricular
Sérgio Baptista, internista no Hospital da Luz, em Lisboa, focou a sua apresentação nas novas guidelines para a fibrilhação auricular, fazendo uma súmula das suas principais mudanças. Abordou vários pontos, que vão desde às classificações, passando pela caracterização da FA, os fatores de risco, o tratamento, entre outros. No entanto, deu destaque à reformulação diagnóstica e ao screening, falando dos seus benefícios e riscos.
“Os sistemas de screening são, por si só, um hot topic. Apesar dos riscos que apresentam, e que passam, sobretudo, por alguma ansiedade que possam provocar aos doentes que utilizam este tipo de tecnologias, assim como o sobrediagnóstico, o potencial destas tecnologias parece ser enorme”, indicou.
E continuou: “As guidelines abordam esta questão, percebe-se que há entusiasmo. Contudo, existem muitos aparelhos, softwares e diferentes scores de avaliação. Assim que estas questões estiverem resolvidas, estes sistemas vão ser revolucionários, no futuro.”
Tromboembolismo venoso
Carolina Guedes, internista na Unidade de Cuidados Intermédios do Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, e coordenadora do Núcleo de Estudos de Doença Vascular Pulmonar, da SPMI, fez a seleção de um artigo para apresentar neste webinar.
Optou por não falar em doentes Covid-19, fazendo, assim, referência ao diagnóstico e ao tratamento dos doentes dos vários espetros do tromboembolismo venoso. Contudo, e porque o tempo não lhe permitia mais, decidiu debater dois subtópicos: o tratamento estendido e a trombose associada a cancro.
“O tratamento estendido é proposto ao doente, após os três meses do tratamento do tromboembolismo. Tem como objetivo prevenir a recorrência destes eventos”, explicou. Todavia, e segundo disse, a decisão de fazer esta terapêutica deve ser tomada, tendo em conta uma série de fatores – como as razões que levaram ao tromboembolismo, a probabilidade de recorrência, os fatores de risco, entre outros aspetos -; assim como a vontade do doente.
Por outro lado, no que respeita aos doentes oncológicos, Carolina Guedes afirmou que há indicação para que façam seis meses de hipocoagulação e não apenas três, como nos restantes doentes. “Para selecionar o medicamento é preciso avaliar o tipo de cancro que o doente tem e o risco hemorrágico”, conclui. O comentário foi da responsabilidade da internista Maja Petrova.
Na sessão de encerramento, além de mostrar o seu contentamento com a elevada participação nesta reunião, Francisco Araújo fez, também, referência à abertura das inscrições para o Curso e-learning de Cardiopatia Isquémica, que tem início a 15 de janeiro de 2021. Avançou, ainda, a data do próximo HOT TOPICS em Risco Vascular, que vai realizar-se a 11 de dezembro de 2021, na Ericeira.
(14/12/2020)