“Este vai ser um congresso transversal a várias patologias autoimunes”
O Coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes, da SPMI, António Marinho avança quais as principais linhas de discussão que vão marcar aquele que será o VIII Congresso Nacional de Autoimunidade.
O que é que se pode esperar daquele que será o VIII Congresso Nacional de Autoimunidade?
António Marinho: O Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes tem vindo a fazer congressos anuais muito variáveis e heterogéneos. A nossa estratégia tem sido adaptar os congressos às necessidades de formação do próprio núcleo. Temos, por um lado, realizado congressos em várias zonas do país, onde tentamos integrar quem faz consultas de doenças autoimunes na organização dos mesmos, disseminando e descentralizando as organizações.
Devido aos dois anos de pandemia registou-se um grande atraso na disseminação dos up dates ao nível de conhecimento mais atualizado…existe um gap que é necessário recuperar rapidamente e, por isso, quisemos organizar um congresso numa cidade maior já com a intenção de receber um maior número de pessoas presencialmente.
Contamos receber um número significativo de participantes, vamos ter um programa bastante abrangente ao nível de up to dates, vamos reavaliar aquilo que são hot topics da fisiopatologia, terapêutica e do diagnóstico nas variadas patologias, ou seja, vai ser um congresso mais transversal a várias patologias autoimunes. Vamos abordar hot topics, não sendo um congresso mono temático como já sucedeu.
O programa distingue-se pela abordagem de múltiplos temas. Existe algum que será preeminente?
A.M: Um dos temas preeminentes diz respeito à área da Esclerose Sistémica e do envolvimento pulmonar da Esclerose sistémica, que na grande maioria das vezes é grave e fatal. Será um ponto alto do congresso. Teremos pessoas a falar de anti fibróticos e de envolvimento pulmonar na Esclerose Sistémica. Depois teremos também conferências sendo uma, destaco, sobre formação em autoimunidade que é um tema também muito importante. Teremos a abordagem de vários temas sobre as perspetivas terapêuticas em várias patologias
Uma das conferências que integram o programa intitula-se “Why We Must Think Beyond Autoimune Diseases?”. Quais as ideias que vão ser aqui debatidas?
A.M: Vamos aqui abordar a génese da doença autoimune. Isto é, o seu início e o fim, ou seja, sabemos atualmente que, no campo das doenças autoimunes, também existem doenças primariamente genéticas, distúrbios inatos da imunidade cujas formas de apresentação são doenças autoimunes. Temos de pensar um pouco mais além, não só na doença em si, mas também na sua génese – algumas não são simplesmente de contacto ambiental, mas também resultantes desses erros inatos da imunidade.
Um outro ponto relacionado, e que será também abordado, são os imitadores das doenças autoimunes que sabemos que, na sua maioria, são auto inflamatórios e que não têm mecanismos de autoimunidade clássicos. Perante estes novos conceitos devemos, de facto, pensar mais além, estamos, no fundo, a começar a catalogar o “saco de doenças autoimunes” e a colocá-las em sub gavetas identificando que umas são erros inatos da imunidade e outras são doenças autoimunes sistémicas.
Para além da artrite reumatoide, as doenças autoimunes mais frequentes são a esclerose múltipla, a lúpus. Os portugueses estão devidamente sensibilizados no que respeita às doenças autoimunes?
A.M: Estão e bastante. A pandemia de COVID-19 e as manifestações autoimunes associadas à COVID ou ao risco da COVID levantou como que “um embate” levando a que a população esteja agora muito atenta. Em consequência, nos últimos dois anos, tivemos um aumento significativo de pedidos de consultas por suspeita de doença autoimune, há uma sensibilização bastante aumentada e ainda bem pois, isso, vai fazer repensar as estratégias de abordagem e de receção destes doentes.
Qual o atual retrato da prevalência das doenças autoimunes em Portugal?
A.M: O panorama epidemiológico não mudou, há muito mais mulheres do que homens fruto do que são as próprias doenças autoimunes mais comuns em mulheres em idade fértil pois o seu ambiente estrogénio favorece. Há de facto um aumento significativo de identificação não diria só de doenças, mas de manifestações autoimunes. Por um lado, as pessoas estão mais atentas ao início das doenças, portanto são referenciadas mais precocemente.
O COVID-19 induziu doenças autoimunes de órgãos específicas e sistémicas, o que conduziu a um número aumentado de novos diagnósticos pela sensibilização, mas também por novas patologias, algumas até induzidas por medicamentos. Há, também, um aumento das necessidades de pessoas que conheçam e que consigam gerir estas doenças.
O NEDAI está ligado a 42 consultas a nível nacional e, portanto, temos conseguido ter em cada região pelo menos uma consulta que consegue acompanhar todas estas vertentes novas e que vão aumentar nos próximos anos. Não temos ainda ideia do impacto da pandemia, isto ainda é, para já, uma ponta do icebergue.
Qual a sua opinião quanto ao recurso a fármacos biossimilares para o tratamento de doenças autoimunes?
A.M: Os fármacos biossimilares foram uma resolução absolutamente fundamental nas nossas patologias. Apesar de eles não terem o mesmo processo de licenciamento, tornando às vezes injusto em relação ao fármaco original porque não têm de fazer estudos em todas as patologias em que o fármaco original está aprovado, efetivamente trouxeram um novo paradigma aos nossos doentes.
A redução de custo do fármaco foi de tal forma significativa que reduziu significativamente limitações económicas, ou seja, aumentamos de forma drástica o acesso. Neste momento, o uso de biossimilares permite tratar em média mais cinco doentes do que o uso de um outro fármaco que não biossimilar.
Nós tínhamos, por exemplo, na Artrite Reumatoide uma percentagem de doentes a nível nacional à volta dos 15% a fazer biotecnológicos e, atualmente, deveremos andar à volta dos 25%, ou, diria, acima de 25%, o que se aproxima muito do que já sucedia há uns anos atrás na Europa Ocidental.
Vai decorrer, também, em paralelo, a XXVII Reunião Anual do NEDAI. A que objetivos se propõe o núcleo para este ano?
A.M: Este é um ano de transição. Enquanto coordenador nacional do núcleo cumpro o meu último mandato, serei substituído durante este congresso. Este é um momento em que vamos fazer um ponto de situação: por um lado, vamos proceder aos trabalhos relativos ao congresso e que passam por se fazer um up to date e recuperar, assim, dois anos de alguma perda de informação advinda das circunstâncias pandémicas. Vamos repor as atividades do NEDAI nomeadamente registos, publicações, estudos que estão em curso.
O NEDAI não é uma estrutura política, é uma estrutura científica e, portanto, é muito importante que, mesmo mudando o secretariado, que a linha orientadora científica se mantenha. Tal passa por continuar a identificar muito precocemente as doenças autoimunes e tratá-las, tratar os doentes como um todo e manter estudos clínicos melhorando as boas práticas – esse é o papel fulcral de atividade do NEDAI.
Esta entrevista foi publicada no HealthNews
(14/06/2022)