Dia Internacional do Idoso: contra o estigma e estereótipos, para dignificar e respeitar os direitos dos mais velhos

Sofia Duque

Enquanto Coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, já é hábito pedirem-me um comentário sobre o Dia Internacional do Idoso, que se celebra no dia 1 de outubro. Esta efeméride foi lançada pelas Nações Unidas já lá vão 34 anos!

Não obstante, muito há ainda a dizer e fazer pelas pessoas mais velhas. De facto, se é verdade que o ser humano conseguiu aumentar a idade biológica que se atinge, muito frequentemente os anos que se ganham não se acompanham de qualidade de vida e manutenção da autonomia. Muitas pessoas mais velhas acabam por ser institucionalizadas contra as suas aspirações.

No ano passado, o nosso compatriota António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, inspirado no 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirmava que “Para concretizar a promessa da Declaração, devemos fazer mais para proteger a dignidade e os direitos das pessoas idosas”. Este ano as Nações Unidas voltam a apelar ao envelhecimento com dignidade, identificando como fundamental o reforço dos sistemas de saúde e assistência social às pessoas idosas.

É com grande satisfação que constato que, na Mensagem das Nações Unidas a propósito do 34º Dia Internacional do Idoso, é assinalada a necessidade urgente de expandir as oportunidades de formação e educação em Geriatria e Gerontologia. Orgulhosamente, esta tem sido a principal missão do Núcleo de Estudos que tenho a honra de coordenar, e largas centenas de profissionais de saúde em Portugal terão já melhorado as suas práticas em virtude da sua participação nas nossas formações.

A Mensagem das Nações Unidas faz ainda alusão à importância de proteger os direitos humanos das pessoas mais velhas, respeitando a sua dignidade, necessidades e privacidade.  Esta é uma mensagem da maior relevância, já que um problema ainda atual e transversal a mulheres e homens mais velhos, é  a sua discriminação negativa pela idade cronológica que têm. Trata-se do idadismo, tradução do termo anglo-saxónico Ageism.

O idadismo pode ter várias consequências negativas: de natureza psicológica – a baixa autoestima, depressão e ansiedade; a redução do acesso a cuidados de saúde; a falta de  motivação dos próprios para a adoção de estilos de vida saudáveis, face à crença falsa de que a deterioração funcional e cognitiva são consequências inevitáveis do envelhecimento; o isolamento social e solidão;  a tensão nas dinâmicas familiares, sendo frequentemente afastada a pessoa mais velha da tomada de decisões, mesmo quando estas lhe dizem diretamente respeito; o afastamento das esferas familiar e social; as políticas sociais e de saúde desfavoráveis; a desvalorização das capacidades das pessoas mais velhas e a falta de oportunidades. Tudo isto, naturalmente, repercute-se na qualidade de vida e bem estar e viola os seus direitos.

Combater o idadismo é essencial para criar uma sociedade mais inclusiva e equitativa, onde as pessoas de todas as idades sejam valorizadas, respeitadas e tenham a oportunidade de viver as suas vidas de forma plena.

O idadismo pode manifestar-se em vários aspetos da nossa vida, nos cuidados de saúde e até na linguagem verbal e nos símbolos que usamos para representar a pessoa mais velha.

Dedicando-me profissionalmente às pessoas mais velhas há mais de 15 anos, muitas vezes observo a sua reação a discursos mais paternalistas e infantilizantes, vindos de alguns profissionais de saúde… o descontentamento das pessoas mais velhas torna-se por vezes bem evidente, mas muitos ficarão em silêncio, resignando-se aos estereótipos da sociedade atual e à sua vulnerabilidade.  Esse discurso, habitualmente carregado de boas intenções,  pode paradoxalmente tornar-se lesivo, e o seu conteúdo torna-se irrelevante e inconsequente, perdendo-se oportunidades de realmente melhorar a saúde e bem estar da pessoa mais velha. Existem campanhas internacionais que denunciam que as pessoas mais velhas não gostam de ser chamadas de “avó/ô”, “avozinha/o”, na primeira pessoa ou pelo nome próprio quando o seu interlocutor não é alguém da sua esfera pessoal…

Muito tenho pensado que a nossa linguagem pode ser estigmatizante para as pessoas mais velhas a que nos dedicamos. E começa logo com a expressão como as designamos … O termo “idoso”, traduzido para “elderly” em inglês, é já obsoleto nas publicações científicas anglosaxónicas especializadas em Geriatria e Gerontologia; em alternativa fala-se de “older adults / persons / patients”. Em Espanha, de forma muito feliz, utiliza-se frequentemente a expressão “mayor” que facilmente nos transporta para a aquisição de experiência e sabedoria com o passar dos anos. Ser maior é algo significativo! E em Português? Há uns tempos ouvi alguém dizer que não apreciava a palavra “idoso”. Tenho observado de forma mais atenta a reação das pessoas quando ecoa esta palavra e pressinto que de facto não gostam e se sentem discriminadas e restringidas só de a ouvir. Assim sendo, empenhemo-nos em perceber como querem as pessoas mais velhas ser consideradas: idosos? pessoas idosas? velhos? pessoas mais velhas? adultos mais velhos? séniores? Ou será que  a compartimentação deste grupo etário é por si só discriminatória e desnecessária?!!!

Podemos pensar que mais importante que a linguagem são as atitudes, mas no mundo simbólico em que vivemos a sua separação é impossível. Contrariemos então estereótipos e escutemos quem de direito!

 

Sofia Duque – Coordenadora do NEGERMI da SPMI

(01/10/2024)