Atualização em doenças do fígado
Atualização em doenças do fígado
Durante a sua apresentação, sobre a temática “Peritonite bacteriana espontânea e infeções no doente cirrótico”, Joana Cochicho, internista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, afirmou que cerca de 1/3 dos doentes internados com cirrose hepática descompensada tem critérios de infeção à admissão hospitalar ou desenvolve infeção durante o internamento.
“A elevada suscetibilidade do doente cirrótico à infeção prende-se com uma multiplicidade de fatores, entre os quais o status de imunodeficiência, a desregulação do eixo intestino-fígado com falência dos mecanismos de barreira intestinal e alterações da flora, líquido ascítico com baixo conteúdo proteico acompanhado de má função hepática e, ainda, fatores clínicos como a hemorragia digestiva alta ou até alguns polimorfismos genéticos”, indicou.
E referiu ainda que as infeções mais frequentes, como a peritonite bacteriana espontânea, a infeção do trato urinário, a pneumonia e a bacteriémia, são para estes doentes determinantes de prognóstico, condicionando a elevada mortalidade. “Neste sentido, é crucial enfatizar a importância do diagnóstico precoce e do início imediato de antibioterapia empírica eficaz”, observou.
A oradora fez questão de destacar a mudança do cenário epidemiológico com o rápido aumento de microorganismos multirresistentes, entre os quais enterobacteriaceae produtoras de þ-lactamases ou carbapenemases, Staphilococcus aureus meticilino-resistentes e enterococci resistentes à vancomicina.
Segundo referiu, as diferenças geográficas nos padrões de resistências dificultam a criação de esquemas empíricos aplicáveis universalmente, pelo que se torna essencial conhecer a epidemiologia local e discutir os esquemas mais adequados à realidade do nosso país.
Além disso, Joana Cochicho mencionou ser “essencial rever, à luz da atual evidência, o papel da profilaxia antibiótica no doente cirrótico”, com especial destaque para o uso de fluoroquinolonas.
Durante a mesma sessão, Inês Pinho, internista do Hospital de Santa Maria Maior, em Barcelos, trouxe novidades ao falar da nova classificação da síndrome hepatorrenal após a recente revisão dos critérios do International Club of Ascitis, ao falar sobre a temática “Síndrome hepatorrenal e alterações hidro-electrolíticas.
A médica considera que este é “um tema relevante para os internistas”, uma vez que a prevalência de lesão renal e de distúrbios hidroelectrolíticos no doente cirrótico internado, descompensado, é muito elevada, e nem sempre é linear fazer o diagnóstico diferencial.
“Várias situações distintas podem concorrer para lesar o rim nestes doentes, e o diagnóstico de síndrome hepatorrenal deve ser feito de forma a excluir outras
entidades, que são nomeadamente mais frequentes e de curso mais benigno”, salientou.
E acrescentou: “A lesão renal aguda no cirrótico descompensado confere um impacto negativo na sobrevivência a médio prazo, mas quando falamos da síndrome hepatorrenal, essa sobrevivência pode tornar-se mais baixa.”
Joana Espírito Santo, internista do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, afirmou que “a transplantação hepática revolucionou o prognóstico da doença hepática crónica avançada e da falência hepática aguda”.
Ao falar sobre “Referência para o transplante hepático”, a oradora disse que os candidatos devem ser criteriosamente selecionados e que a referenciação deve realizar-se atempadamente.
“É importante que os internistas conheçam as indicações para transplante hepático e saibam identificar o momento apropriado para referenciar o doente a uma unidade de transplantação hepática”, indicou Joana Espírito Santo.
Segundo referiu, a avaliação para transplante deve ser considerada para todos os doentes com doença hepática terminal que apresentem episódios de descompensação ou cuja disfunção hepatocelular resulte em MELD ≥ 15 pontos. “Todas as exceções ao MELD devem ser também consideradas para referenciação para transplante hepático”, afirmou.
E concluiu: “A falência hepática aguda e o ACLF (Acute-on-Chronic liver failure) representam indicações urgentes para transplante hepático, sendo que para estes doentes a referenciação a um centro de transplantação deve ser precoce. A deterioração clínica rápida destes doentes pode fechar a estreita janela de oportunidade para o transplante hepático.
A sessão foi presidida por Rui Perdigoto, especialista em Medicina Interna e moderada por José Presa, internista.