Artigo de Opinião: O empobrecimento também mata

Para todos os que dizem que primeiro está a saúde e depois a economia, enquanto médico, venho lembrar que o empobrecimento também mata.

O impacte avassalador desta pandemia na economia está à vista de todos e na pele de muitos. Este impacte vai-se agravar quando terminarem os apoios do Estado. A Oxfam estima que a pandemia conduzirá para a pobreza cerca de 500 milhões de pessoas a nível mundial. Em Outubro, o FMI estimava uma redução de 10% no PIB português durante o ano de 2020, o que significa o empobrecimento do país em 21.000 milhões de euros. Entre Março e Abril, o número de novos pedidos diários de ajuda, nos 21 bancos alimentares do país, chegou aos 350, o que representou mais 60.000 pessoas a juntar às 380.000 que já eram apoiadas. Segundo o INE, o número de desempregados em Portugal aumentou em 125 mil, entre o segundo e o terceiro trimestre de 2020. Nestas crises, o desemprego atinge particularmente as pessoas de mais baixos rendimentos: segundo um estudo da ENSP, uma em cada quatro pessoas, que ganham menos de 650 euros mensais, perdeu completamente o seu rendimento.

É uma enormidade o número de pessoas e famílias que estão a sofrer as consequências económicas desta pandemia: da área da cultura, dos hotéis, dos restaurantes, da aviação, das empresas de congressos, de todos os sectores dependentes do turismo e de todas as actividades que sofrem com a retracção do consumo. Os pobres vão ser mais pobres, muitos novos pobres estão a aparecer, enquanto a desigualdade social se acentua: entre Abril e Julho deste ano, 2189 dos super-ricos viram a sua fortuna aumentar em 27,5%.

Em Portugal morreram mais de 3800 pessoas por covid-19, mas em oito meses morrem em média mais de 73.000 pessoas, e em muitas delas a pobreza contribuiu para a sua morte. Segundo um relatório da OCDE, Portugal tem um excesso de mortalidade de cerca de 13%, mas estima-se que apenas pouco mais de 5% seja por covid.

As determinantes sociais, como a educação, emprego, rendimentos, cultura, coesão social, e os comportamentos de risco, contribuem em mais de 50% para a saúde das pessoas, enquanto os cuidados de saúde são responsáveis por cerca de 10%. O impacte na saúde do nível de riqueza manifesta-se desde logo a nível de países. Por exemplo, na Suécia as pessoas depois dos 65 anos têm uma expectativa de vida saudável de cerca de 15,8 anos, enquanto em Portugal é de 9,5 anos. Também no nosso país, a esperança de vida aos 30 anos é 4,2 anos inferior nos homens com mais baixo nível educacional em relação aos que têm o mais alto nível educacional. Em Portugal, a taxa de mortalidade dos trabalhadores por conta de outrem é sete vezes maior do que a dos empregadores. A prevalência da obesidade nas pessoas de nível de escolaridade baixo é de 39%, enquanto nas pessoas com nível superior é de 13%. A hipertensão arterial afecta 63% das pessoas com mais baixo nível educacional e apenas 16% das que têm um nível mais elevado. A covid-19 mata também mais os mais pobres e vulneráveis: nos EUA, a população negra tem uma probabilidade de morrer por esta infecção 2,2 vezes superior à população branca.
No meio disto é chocante saber que apenas 15 países gastaram em defesa, em 2019, 1433 biliões de euros e bastavam cerca de 22 biliões anuais para preservar as florestas tropicais e assim reduzir significativamente a transmissão destas novas infecções, a partir dos animais que aí habitam.

É fundamental travar a pandemia mas também o empobrecimento e fazer com que desta pandemia resulte uma sociedade mais justa e mais comprometida com a defesa do ambiente. Só assim podemos prevenir novas pandemias, manter a coesão social e tornar o direito à saúde mais equitativo.

Artigo de Opinião de Luís Campos no Público 
24/11/2020