Artigo de Opinião: Ainda é tempo, por pouco tempo…

Podemos não conseguir tudo de uma vez mas este é o caminho a seguir, pelas próximas gerações e pelos nossos filhos. Esta pandemia não nos pode distrair porque o relógio não pára.

A minha geração (estou com 66 anos) foi uma geração privilegiada. Muitos de nós somos filhos de pais que viveram a sua infância e juventude durante a Segunda Guerra Mundial, sofrendo as carências de então e a pesada carga do Estado Novo. Muitos migraram para as cidades ou emigraram para outros países, para que os filhos tivessem mais oportunidades, e conseguiram. Na generalidade, tivemos uma vida melhor, vivemos a maior parte da vida em democracia, fomos espectadores e protagonistas das mais fantásticas mudanças políticas, sociológicas e tecnológicas de toda a história da humanidade e, no entanto, temos a triste consciência de que vamos deixar aos nossos filhos um mundo mais perigoso, mais degradado e à beira da insustentabilidade. Esta pandemia e as que despontam no horizonte são um sinal disso.

A crescente degradação ambiental e perda de biodiversidade, que foi particularmente acelerada nas últimas duas décadas, são a grande causa da emergência destas ameaças. Nos últimos 50 anos a população de mamíferos, de pássaros, anfíbios, répteis e peixes reduziu-se em cerca de 70% e um milhão de espécies animais enfrentam a ameaça de extinção, enquanto, neste período, a população humana mais do que duplicou, tendo passado de 3,7 biliões em 1970 para 7,8 biliões em 2020. Actualmente já precisaríamos 1,75 planetas-terra para que fosse sustentável a vida da população actual, em 2050 seriam necessários três planetas para as 9,5 biliões de pessoas que se prevêem existir. Alterámos o fluxo de mais de 93% dos rios a nível mundial e resta apenas 25% da área do planeta que não foi modificada pelo homem. A poluição mata, anualmente, mais de 500 mil crianças com menos de cinco anos, a temperatura da terra cresce 170 vezes mais rapidamente do que a evolução natural e, dentro de quatro anos, cerca de metade da terra será árida.

Enquanto isto acontece, as decisões são ditadas pela lógica do lucro dos ocultos accionistas das grandes empresas, 62 pessoas têm uma riqueza equivalente à metade mais pobre da população mundial e estas desigualdades acentuaram-se durante a pandemia. Como se não bastasse a degradação ambiental, as alterações climáticas e o problema da sobrepopulação, estima-se que existam actualmente cerca de 10.000 armas nucleares, sendo que apenas cinco seriam necessárias para destruir o planeta, e permitimo-nos gastar anualmente 1400 biliões de euros em despesas de defesa, quando seriam apenas necessários 18 a 25 biliões de euros para preservarmos as florestas tropicais e diminuirmos muito o risco de pandemias. Desafiando a racionalidade, o espírito de cooperação e de consenso, a atracção vertiginosa pelo isolamento, pela autocracia e pelo retorno à barbárie está a ganhar terreno.

A minha geração deu uma grande contribuição para colocarmos em risco uma longa era geológica, designada Antropoceno por alguns, o que é uma forma eufemística de dizer que colocámos em risco a sobrevivência da própria humanidade. Este horizonte não é daqui a mil anos, está a menos de poucas décadas.

Não basta pedir desculpa. O que nos é exigido é a comprometer-nos com esta luta, defendermos uma sociedade mais justa e equitativa, impormos às empresas e organizações uma ética ambiental, empenharmo-nos para que os partidos e os governos adoptem políticas que preservem o ambiente e modificarmos os nossos comportamentos individuais: fazermos uma dieta à base de plantas, preferir alimentos sazonais e locais, privilegiar as deslocações a pé, de bicicleta ou de transportes públicos, reduzir o consumo de energia em casa e no trabalho, reduzir o desperdício e o lixo, reutilizar e reciclar, usar a água de forma eficiente e substituir o plástico por materiais biodegradáveis.

Podemos não conseguir tudo de uma vez mas este é o caminho a seguir, pelas próximas gerações e pelos nossos filhos. António Guterres alertava recentemente que “as alterações climáticas estão a avançar mais rápido do que nós”. Esta pandemia não nos pode distrair porque o relógio não pára. Ainda é tempo, mas por pouco tempo…

Artigo de Opinião de Luís Campos no Público
13/02/2021