António Oliveira e Silva triste pela falta de investimento na Saúde

Nos últimos dias foram notícia as condições precárias em que crianças fazem os tratamentos de quimioterapia no Hospital de São João, no Porto. Em entrevista ao jornal Expresso, António Oliveira e Silva, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e presidente do Conselho de Administração do São João, afirma que o relato negro dos pais das crianças em tratamento em instalações provisórias desde 2011 “é exato” e que espera que até ao início de maio o governo disponibilize os 23,8 milhões contratualizados para a construção do novo Centro Pediátrico. Caso tal não aconteça, o administrador admite deixar o cargo e explica o que tem impedido este processo de chegar a bom porto.

“A tutela diz que o dinheiro está na conta do São João, mas sem o aval das Finanças é como as contas das crianças que só podem ser usadas na maioridade”, diz o especialista em Medicina Interna, que se confessa entristecido com aquilo que considera a política de desinvestimento do Governo na Saúde.

“Há um protocolo assinado por dois secretários de Estado, pela ARS-Norte e ACSS para um projeto de financiamento de 23,8 milhões de euros. O início da construção ficou marcado para outubro de 2017, a concluir em 2020, mas chegou-se a outubro e o dinheiro não chegou para ser lançado o concurso internacional, obrigatório face ao valor da obra. Em novembro, o Ministério da Saúde disse para não me preocupar, que já se tinha garantido o dinheiro, mas o tempo continuou a andar e nada. Em fevereiro, recebi um telefonema da secretária da secretária da Saúde, Rosa Matos, a dizer que o dinheiro já estava na nossa conta, mas faltava uma formalidade: a assinatura do secretário das Finanças. Aí é que está o problema”, sublinha o vice-presidente da SPMI, que admite que o acumular de expetativas tem vindo a criar um clima de desmotivação entre os profissionais de saúde.

“Nós trabalhámos em más condições, e tenho de louvar a dedicação extrema de todos, que dão a face perante os doentes e os pais. O relato dos pais é correto. Há falta de transporte interno, por termos o hospital pediátrico deslocalizado do edifício principal. Para uma criança que precise de fazer uma TAC ou uma ressonância tem de lá ir uma ambulância para fazer os exames. É muito pouco eficiente”, salienta António Oliveira e Silva, que diz mesmo que já não é tempo de diálogo e que porá o lugar à disposição caso não haja desenvolvimentos em breve:

“O Governo tem toda a liberdade para me substituir. Eu considero que tenho uma lealdade com a tutela que me nomeou, mas também com a população doente por quem sou responsável e com os profissionais do hospital. Se não conseguir resolver este problema urgente, demito-me. Esta é uma situação extremamente desgastante”, lamenta o administrador, que acrescenta ainda que é só a ponta do iceberg.

“O problema pediátrico é só uma parte da falta de investimento no São João, um hospital de 1959 e que tem 40% das instalações por renovar desde aí. Não é possível em alguns serviços ter uma casa de banho para 20 doentes. Toda a ala central é antiga e precisamos de renovar todo o bloco operatório central. E adquirir equipamento onde não é feito investimento a sério nos últimos 10 anos. Este é um hospital central universitário de última linha e sempre foi encarado pela população como sendo onde estão as técnicas mais diferenciadas. Isso hoje não acontece. Equipamentos mais diferenciados em algumas áreas só os encontramos no setor privado, não no público. Isto é uma escolha política que me entristece”, termina.

(19/04/2018)