Antibioterapia. Da farmacologia à terapêutica: o melhor uso possível
Conhecemos hoje, melhor do que nunca, a população microbiológica associada aos doentes com infeção que tratamos na Medicina Interna. Para isto contribui uma crescente capacidade laboratorial para a sua identificação e pela consciência da necessidade do conhecimento – para cada realidade epidemiológica – do seu padrão de sensibilidade/resistências aos antibióticos. Esse mesmo conhecimento coloca-nos hoje em alerta para a emergência de microorganismos cada vez mais resistentes aos antibióticos disponíveis, colocando novos desafios na prevenção e tratamento da infeção. A Organização Mundial de Saúde determinou desde recentemente entre as 10 ameaças mais relevantes à saúde mundial, a emergência das resistências aos antibióticos.
Um dos fatores mais relevantes para a emergência dessas resistências é a utilização excessiva de antibióticos, seja a nível do uso humano, seja a nível da indústria de produção animal. Este impacto não se verifica apenas nas infeções complexas tratadas a nível hospitalar, mas também nas infeções tratadas em ambulatório como a traqueobronquite aguda bacteriana ou pneumonia; infeções do trato urinário, entre outras. No caso particular das infeções urinárias da comunidade/ou tratáveis na comunidade, todos assistimos à emergência de microorganismos bacilos Gram negativo de resistências acrescidas, nomeadamente com produção de beta-lactamases de espectro alargado (ESBL). Os mesmos constituem um extremo desafio em considerar se são efetivamente agentes patogénicos daquela infeção; e a escolha de uma antibioterapia empírica eficaz é de considerável complexidade.
Com a entrada lenta de novos antibióticos capazes de superar o ritmo de emergência destes microorganismos multirresistentes, há hoje o entendimento que devemos utilizar melhor as “velhas” armas antibióticas. Nesse sentido, deve-se fazer uso optimizado das suas características farmacocinéticas/farmacodinâmicas; utilizar programas de descalação antibiótica e esclarecer melhor o perfil e o “rótulo” de reações adversas – nomeadamente das alergias reportadas pelos doentes – não excluindo à partida as boas opções – como é o caso mais frequente dos beta-lactâmicos. Ainda assim, o Infarmed I.P. aprovou nos últimos tempos, para uso hospitalar e após avaliação favorável de custo-eficácia, novos antibióticos que vale a pena conhecer: ceftazidima-avibactam para o tratamento de infeções por bactérias aeróbias Gram negativo com alternativas limitadas; ceftazolano-tazobactam em alternativa à piperacilina-tazobactam; ou a fidaxomicina no tratamento de infeções por Clostridium difficile em alternativa à vancomicina.
A antibioterapia em cada situação é assim frequentemente revista, nas suas indicações, formas de administração (oral versus parentérica; bólus versus perfusão), tempo de administração e posologia. Fundamenta-se hoje a adaptação fármaco-prescrição individualizada a cada doente; com as suas morbilidades, com a sua infeção e microrganismo causador, associado a concentrações inibitórias mínimas específicas e variáveis da bactéria em causa. Isto deve levar em conta a melhor ou pior performance nos processos de absorção, distribuição e eliminação do doente, que são mutáveis ao longo do processo da doença infeciosa aguda – fazendo variar os volumes de distribuição dos fármacos.
Estas exigências aconselham, à imagem de outras áreas da terapêutica, atualização técnico-científica permanente. A Medicina Interna é uma das especialidades que lida frequentemente com doentes e doenças complexas, e por isso é-nos exigida a adequação terapêutica individual optimizada nestes contextos, para daí retirarmos o benefício para o doente contribuindo ao mesmo tempo para o melhor controlo global das resistências aos antibióticos.
Artigo de opinião de Carlos Capela, Internista na Unidade de Medicina Interna do Hospital de Braga e Docente na Escola de Medicina da Universidade do Minho
(18/11/2020)