A SPMI e o 5º Barómetro Dos Internamentos Sociais da APAH
Apresentação de João Araújo Correia na 9ª Conferência de Valor da APAH
27 maio de 2021
Há um sentimento misto de desilusão e esperança, nesta 5ª Edição do Barómetro dos Internamentos Sociais promovido pela APAH.
A desilusão, deve-se ao facto de nada ter mudado de forma significativa, apesar das conclusões dos Barómetros anteriores devessem ter acordado todas as consciências, com repercussões óbvias nas manchetes dos jornais. No 4º Barómetro realizado a 18/2/2020, havia várias constatações perturbadoras:
- 1551 pessoas internadas nos hospitais do SNS com alta clínica (8,7% das camas disponíveis)!
- 119.971 dias de internamentos inapropriados, com tendência crescente!
- Doentes COVID com 18% de internamentos sociais!
- Os episódios sociais estão mais alocados á Região Norte (73%), seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (15%) e o Centro (8%) – Grande assimetria no País!
- O desperdício calculado extrapolado para o ano de 2020, era de 184,1 milhões de Euros!
É curioso, que a esperança em soluções concretas para este flagelo dos internamentos inapropriados nos hospitais portugueses venha da pandemia covid-19! Uma das lições que dolorosamente tivemos de aprender, é a de que as camas hospitalares são um bem precioso, finito, que temos obrigação de não desperdiçar.
A política de redução de camas hospitalares seguida nos últimos anos, levou a que Portugal tivesse hoje 339,3 camas por 100.000 habitantes, enquanto a média nos 27 Países da União Europeia é de 541,4, e na Alemanha é de 800,2. Nas enfermarias de Medicina Interna, as taxas de ocupação são superiores a 100%, com muitos doentes internados vários dias no Serviço de Urgência. Só a sorte de termos tido um crescimento muito gradual dos internamentos hospitalares por doentes COVID e não COVID, nos permitiu ocupar camas das áreas cirúrgicas com, sem entrar em rotura. Ficamos a pensar onde iremos encontrar o espaço físico para internar os doentes médicos não COVID, quando houver a retoma da atividade cirúrgica. A verdade é que temos de concluir pela necessidade de um aumento significativo das camas hospitalares, mesmo sem pandemia, porque a evolução demográfica e a polipatologia, aumentam significativamente a demora média do internamento.
A 17/3/2021, a coincidir com a 5ª Edição do Barómetro, a SPMI fez um Inquérito dirigido aos Diretores de Serviço para avaliação dos doentes internados com Alta Clínica em MI e as camas extra sob a responsabilidade dos Internistas. A lotação base destes Serviços de Medicina Interna respondedores era de 3.521 camas, verificando-se uma taxa de ocupação de 96%. A lotação das enfermarias Covid destes Serviços era de 920 camas, verificando-se uma taxa de ocupação de 50,5% (439 doentes internados). O total dos doentes sob a responsabilidade dos Serviços de Medicina Interna era de 4.778 doentes (2.970 doentes não Covid no espaço físico dos Serviços + 343 doentes não Covid internados noutros Serviços + 439 doentes Covid + 920 doentes internados no SU + 106 internados na Hospitalização Domiciliária).
Tal corresponde a mais 1.257 (26,3%) de doentes do que a lotação base, o que é um esforço notável, que terá sido ainda maior no pico da pandemia (dezembro/janeiro).
Apesar da pandemia ter reduzido os recursos ao SU, verifica-se que é no Serviço de Urgência, que se encontram internados a maior parte dos doentes em camas extra da responsabilidade de MI (920 doentes /73,2% das camas extra).
Quanto aos doentes com alta clínica, que se mantinham internados sob a responsabilidade de MI, eram 14,09%, correspondendo a 496 doentes. Destes, 309 aguardavam vaga na RNCC, 27 nos Cuidados Paliativos, e 160 em Lar da Segurança Social.
A 18/2/2020, tínhamos feito um estudo semelhante a este, com conclusões não muito diferentes. Tinha chamado “paradigma da incongruência” o facto de termos 25% das camas dos Serviços de Medicina Interna ocupadas por doentes com alta clínica (14,09% em 2021) e de obrigarmos os Internistas a assumirem mais 36% de camas extra (26,3% em 2021), com doentes espalhados pelo Hospital, muitos deles a permanecerem vários dias no Serviço de Urgência.
É preciso ter a noção de que há uma marcada assimetria do País no que se refere á colocação em Lar, com uma resposta muito pior na Região Norte e na Madeira.
Temos boas notícias neste 5º Barómetro dos Internamentos Sociais de 17/3/21, comparativamente ao do ano passado. O número de camas com internamentos inapropriados passou de 8,7% para 4,7%, a demora média passou de 77,4 dias para 33,6 dias e o desperdício anual estimado será de 100,1 milhões de euros em 2021, comparados com os 184,1 milhões de euros do passado ano. No entanto, é preciso olhar estes números com cuidado, pois assistiu-se a uma “limpeza” das listas de espera para Lar e para a RNCC nos meses de pico da pandemia (novembro / dezembro de 2020), pela absoluta necessidade de camas hospitalares para doentes Covid e não Covid. Infelizmente, desde o início de fevereiro/21, com a redução dos números da pandemia, temos assistido ao retorno do atraso da resposta da Segurança Social, com aumento progressivo dos tempos de espera.
Assim, o estudo sobre os doentes internados com alta clínica e as camas extra nos Serviços de Medicina Interna, que incidiu no dia 17 de março de 2021, reflete uma realidade em mutação, em que a pandemia estava já em fase de desaceleração. A percentagem de ocupação das áreas não Covid (96%), demostra que a MI continuou a cuidar de um número semelhante dos seus doentes habituais. Os Serviços de MI tinham a responsabilidade de cuidar de mais 1257 doentes (26,3%) para além da sua lotação base. 496 doentes com alta clínica permaneciam internados nos Serviços de Medicina Interna (14,09% das camas disponíveis), o que contrasta com o grande número de camas extra, principalmente no SU.
Neste 5º Barómetro dos Internamentos Sociais vemos alguma melhoria ténue, que não é resultado de uma nova política na Segurança Social. É uma cosmética efémera, ditada pelo risco do colapso do SNS, se não libertássemos as camas dos internamentos inapropriados. Será que conseguimos gerir melhor, sem a ameaça pandémica? Eu acredito que sim, com pontes de união entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Segurança Social. Até porque, não existe uma saúde plena em condições sociais miserabilistas!
Apresentação de João Araújo Correia na 9ª Conferência de Valor da APAH
27 maio de 2021