A desidratação não ocorre apenas no verão
Dia Mundial da Água assinala-se a 22 de março
De uma forma geral é no verão que mais se debate o tema da desidratação e se aconselha a população a ingerir mais água. Sabemos, no entanto, que os perigos da desidratação devem merecer a nossa atenção em qualquer época do ano, especialmente na primavera, outono e inverno, estações nas quais é mais fácil esquecer a ingestão de líquidos.
O nosso organismo é composto por cerca de 70 por cento de água. Diariamente, dependendo da humidade e temperatura do ar, esta perde-se de uma forma natural pela pele (transpiração), urina, fezes e até na respiração, pelo que deve ser sempre reposta.
A depleção de volume corporal (hipovolémia) ocorre quando o líquido é perdido do espaço extracelular a uma taxa que excede a ingestão, ou seja, quando o corpo usa ou perde mais líquido do que o ingerido. Os locais mais comuns de perda de líquido extracelular são o trato gastrointestinal, a pele e o rim (através da urina). No entanto, a hipovolémia pode resultar de uma ingestão de água inadequada e prolongada, sem perdas excessivas.
Por definição, desidratação no ser humano significa redução do volume circulante resultante de perda de água com a consequente hipovolémia. Neste conceito não estão incluídas outras causas de hipovolémia resultantes da perda de sal e água, como acontece em situações patológicas de diarreia, vómitos, hemorragia interna e na utilização de fármacos, como os diuréticos. Apesar desta distinção, muitas vezes estes dois termos são usados na literatura como sinónimos.
Em média, por cada 35 quilos de peso corporal, o ser humano necessita ingerir diariamente cerca de 1 litro de água, quantidade que pode ser variável com o clima e idade. Por exemplo, um indivíduo de 60 quilos necessita ingerir cerca de 1,5 a 2 litros de água por dia.
A água é responsável pela nutrição das células do nosso organismo e pela garantia de que todas as suas funções são devidamente cumpridas. Uma boa hidratação é fundamental para a saúde da pele, ao hidratar as suas células e fibras de colagénio que a sustentam, e que necessitam de água para se renovarem. Tudo isto leva a uma diminuição da formação de celulite e rugas, o que se traduz numa boa aparência.
A falta de ingestão de água pode levar a desidratação, a qual, consoante a sua gravidade, pode variar de ligeira a grave com consequências graves para o ser humano, nomeadamente a morte.
Causas de desidratação
Muitas condições podem causar desidratação, tais como: febre; sudorese (normalmente relacionada com calor ou esforço físico intensos); vómitos; diarreia; aumento da frequência urinária por infeções; diabetes; incapacidade de se alimentar e ingerir água adequadamente (no caso de pessoas com deficiências, idosos debilitados, ou doentes em coma e ventilados); queimaduras ou feridas da pele e boca; e doenças da pele (a água perde-se através da pele danificada).
Fatores de risco
Qualquer pessoa que ingira poucos líquidos pode desidratar-se, mas estão em maior risco: os bebés e crianças, uma vez que o seu organismo tem uma maior proporção de água e qualquer perda não corrigida pode levar à desidratação; idosos, por terem menor capacidade de conservar a água no organismo, menor sensação de sede, menor capacidade de responder às mudanças de temperatura, esquecimento de ingerir alimentos e água (especialmente os que vivem sós ou por negligência do cuidador, e habitualmente têm mais doenças crónicas, como diabetes, demência e usam frequentemente muitos medicamentos como diuréticos). Constitui também risco acrescido para desidratação trabalhar e fazer exercício físico em climas quentes e húmidos, sem a devida reposição hídrica.
Sintomas associados à desidratação
A desidratação leve a moderada pode causar boca seca e pegajosa, sonolência ou cansaço (as crianças tendem a ser menos ativas do que o habitual), sede, diminuição da frequência urinária e das lágrimas, pele seca, dor de cabeça, obstipação e tonturas.
Já a desidratação grave constitui-se como uma emergência médica que pode causar: sede intensa; preguiça; sonolência em bebés e crianças; irritabilidade e confusão em adultos; boca, pele e membranas mucosas muito secas; pouca ou nenhuma micção (toda a urina que é produzida será mais escura do que o normal); olhos encovados; pele seca, apergaminhada e sem elasticidade; depressão na moleirinha dos bebés; hipotensão arterial; aumento da frequência cardíaca e respiratória; ausência de lágrimas ao chorar; febre; e nos casos mais graves, delírio e ou inconsciência.
Uma dica importante a reter é que a sede nem sempre é um indicador confiável de desidratação, especialmente em crianças e idosos. O melhor indicador é a cor da urina, que quando apresenta uma cor clara significa boa hidratação, mas quando esta é de cor amarela ou âmbar escuro, geralmente é um sinal de desidratação.
Um adulto saudável consegue tratar uma desidratação leve a moderada ingerindo líquidos como água ou uma bebida isotónica. A ingestão de líquidos durante o dia pode ser feita tanto por meio de alimentos quanto por bebidas. Os alimentos que mais contêm água são os legumes, fruta, leite e carnes, mas esta não deve ser a única forma de hidratação. Esta deve ser realizada principalmente pela ingestão de água na sua forma pura ou através de sumos e água de coco.
Sendo assim:
Deve consultar o(a) seu médico(a) assistente qualquer pessoa desidratada que apresente qualquer dos sinais e sintomas seguintes: vómitos persistentes por mais de um dia, febre acima de 38º C, diarreia por mais de dois dias, perda de peso, diminuição do débito urinário, confusão mental e fraqueza.
Deve recorrer aos serviços de urgência hospitalares qualquer pessoa desidratada que se apresente com: febre superior a 39° C, confusão mental, lentidão (letargia), dor de cabeça, dificuldade em respirar, dor torácica ou abdominal, perda de conhecimento e que não tenha urinado nas últimas 12 horas.
Termino salientando o papel da Medicina Interna em geral e do internista em particular na chamada de atenção de toda a população para os riscos da desidratação, de forma a preveni-la, mas também e acima de tudo, por trabalharem nos serviços de urgência hospitalares 24 horas por dia 7 dias por semana, onde são responsáveis pela abordagem destes doentes.
Artigo de opinião de Maria da Luz Brazão, internista e coordenadora do NEUrgMI (21/03/2019)