A atratividade da Medicina Interna
No final do mês de novembro terminou o concurso para a escolha das especialidades e, sem qualquer surpresa, ficaram vagas por preencher e a Medicina Interna foi a especialidade hospitalar com mais vagas não ocupadas, 142 das 248 disponíveis.
Sendo a Medicina Interna, a especialidade que sustenta os hospitais e, por sua vez, fulcral no SNS, é necessário que todos, sobretudo os decisores políticos, façam a devida reflexão. É preciso perceber porque é que esta especialidade parece já não ser atrativa.
A Medicina Interna é a especialidade hospitalar mais versátil, que assegura uma multiplicidade de tarefas, desde logo as urgências, o trabalho assistencial nas enfermarias, nos hospitais de dia, na consultadoria aos doentes de outras especialidades, nas unidades de cuidados intermédios, na hospitalização domiciliária, nas unidades de insuficiência cardíaca, do AVC, de Ortogeriatria, a hospitalização domiciliária, as equipas de cuidados paliativos, as urgências internas e as consultas externas, além de consultas específicas variadas. De mencionar, que a Medicina Interna, é a especialidade do doente complexo, ou com diagnósticos difíceis e dos doentes com multimorbilidades, que nenhum especialista de órgão consegue substituir.
Estas características fazem da Medicina Interna talvez a especialidade mais atrativa de todas as especialidades médicas, no entanto, a sobrecarga de trabalho é avassaladora.
Na realidade, esta sobrecarga influencia os projetos profissionais e pessoais dos jovens internistas, para além de impedir que tenham tempo para fazer a sua atualização de conhecimentos, que tem de ser contínua, de se envolverem na investigação ou em carreiras académicas, ou de ajudar na formação dos jovens internos que, também por isto, se afastam da especialidade.
A recente pandemia pesou muito na atividade dos internistas que tiveram a seu cargo a grande maioria dos doentes com Covid-19, sem que tivessem a devida recompensa por isso, para além de algum reconhecimento passageiro por parte da população.
É incontornável o trabalho dos internistas nas urgências, um claro motivo para o desânimo por esta especialidade, não porque não queiram trabalhar nos serviços de urgência, mas porque estes Serviços estão desorganizados, por razões já antes identificadas. Há excesso de doentes nas urgências por falta de apoios na comunidade e nas instituições, muitas destas idas à urgência poderiam ser evitadas com equipas de saúde suficientes, que pudessem dar apoio no domicílio, ou o acesso fácil a médico nas instituições com doentes ou idosos com multimorbilidades, ao seu cuidado. Também a organização de um melhor acesso aos Cuidados Primários poderia evitar as idas à urgencia de doentes com descompensações das suas doenças crónicas ou dos que não têm sequer, médico de família. No Serviço de Urgência, os internistas devem dedicar-se às tarefas que lhes competem, da avaliação e tratamento do doente complexo com condições clínicas de urgência ou emergência.
Igualmente, o problema remuneratório, todos os médicos ganham menos em Portugal do que nos restantes países da Europa e isso pesa na medicina interna, ainda mais do que nas restantes especialidades.
Finalmente, estando o SNS gravemente doente, o desvio dos doentes e dos médicos para o sistema privado é inevitável. Além de que os internistas no sector privado se sentem mais valorizados do que no público.
É urgente tratar das soluções. Já foi perdido muito tempo a fingir que tudo vai ficar bem.
Os internistas, os internos de medicina interna, têm de ser valorizados através de medidas justas que podem passar por incentivos e por remunerações adequadas ao seu trabalho, claramente.
A organização é importante e devem ser dadas condições aos serviços para se conseguirem organizar internamente com equipas sólidas, sem dispersão de tarefas, com recursos médicos suficientes e equipamento adequado. Os internos têm de se sentir acolhidos em serviços que tenham condições para desenvolver trabalho em equipa, com tempos para formação, para discussões clínicas, para evoluir com projetos de investigação ou integrar uma vida académica se assim o desejarem e, sem dúvida, conseguirem conciliar a vida profissional com a vida familiar e social.
Lèlita Santos – Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna
Artigo publicado no dia 07 dezembro no jornal “Público”
(11/12/2023)