No decorrer da mesa-redonda “Red Flags em Hematologia”, Paulo Bernardo, hematologista clínico do Hospital da Luz, durante a sua apresentação com o tema “Red-Flags em gamapatia monoclonal”, teve como objetivo fazer uma abordagem prática dos doentes em que é identificado a gamapatia monoclonal, assim como identificar os sinais e os sintomas em que sugiram, quer a presença ou evolução para situações clínicas em que o tratamento se encontra indicado.
Nesta sessão, foi feita uma abordagem, quer diagnóstica e de orientação dos casos de GMSI, como também aos principais sinais e sintomas que devem alertar os médicos, para identificar os doentes que poderão necessitar de tratamento ou que apresentem risco mais elevado de progressão.
De acordo com o especialista, as gamapatias monoclonais constituem um grupo de entidades clínicas associadas à proliferação monoclonal de plasmócitos ou linfo-plasmocitos e caracterizam-se pela existência de uma imunoglobulina monoclonal (paraproteina) no soro e/ou urina.
“Para o diagnóstico de gamapatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI), o componente monoclonal deve ser inferior a 3g/dL, a proteína de bence jones na urina de 24h inferior a 0,5g/dL e no caso de gamapatias monoclonais não IgM a infiltração medular por plasmócitos inferior a 10 por cento. Deve ser excluído concomitantemente a evidência clínica de mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldenstrom, linfoma ou amiloidose”, refere Paulo Bernardo.
Segundo indica, estima-se que a prevalência de GMSI seja de 3 por cento na população com idade superior a 50 anos e rara (cerca de 0,3 por cento) na população mais jovem. Apesar de não existir nenhuma orientação para rastreio desta situação clínica, a sua deteção precoce torna-se importante pelo risco estimado de 1-1,5 por cento, ano de progressão para mieloma múltiplo ou outras doenças linfo-proliferativas. “Existem alguns autores que recomendam o seu rastreio em populações com maior risco, nomeadamente indivíduos de descendência africana ou com familiares de 1.º grau com história de mieloma”, salienta.
E termina: “Na avaliação dos casos identificados de GMSI torna-se, por isso, importante estar alerta sobre sintomas e sinais que indicam a progressão para a doença hemato-oncológica, assim como sugiram a presença de outras situações clínicas que justifiquem intervenção terapêutica rápida e eficaz, como é o caso da amiloidose de cadeias leves (AL). Não obstante, mesmo na ausência de critérios para essas entidades clínicas, a presença de alguns sinais ou sintomas podem por si só justificar instituição terapêutica. Surgiu para esses casos o conceito de gamapatia monoclonal de significado clínico. A gamapatia monoclonal de significado renal é a mais frequentemente descrita, mas existem outras conhecidas.”
Anemias microangiopáticas
António Almeida, diretor do Serviço de Hematologia do Hospital da Luz, foi o responsável pela apresentação “Anemias microangiopáticas” e disse que esta entidade é um grupo heterogéneo de doenças caracterizadas pela fragmentação dos glóbulos vermelhos.
“O mecanismo fisiopatológico que leva a este grupo de condições são lesões endoteliais e membranares com a consequente formação de fibrina intravascular. Estas fibras são a causa da fragmentação eritrocitária. As manifestações clínicas e laboratoriais destas condições variam desde haver apenas fragmentação eritrocitaria até ao outro extremo com coagulopatias de consumo”, afirma.
De acordo com o orador, a anemia microangiopatica mais conhecida é a coagulação disseminada intravascular. “Esta pode ser precipitada por uma grande variedade de insultos ao endotélio, tais como sepsis, toxinas e êmbolos de líquido amniótico, que causam uma coagulopatia de consumo grave e anemia microangiopatica”, indica António Almeida, acrescentando que a síndrome hemolítica-uremica (SHU) e a purpura trombocitopénica trombotica (PTT) são caracterizadas por fragmentação intensa e micro-trombos com trombocitopenia por consumo, mas sem depleção de fatores de coagulação. Por fim, as microangiopatias associadas a medicamentos, como ciclosporina, podem nem acarretar consumo de plaquetas.
O especialista refere ainda que este conjunto de doenças potencialmente fatais têm fisiopatologias bem identificadas que permitem dirigir terapêuticas. “Na PTT há um defeito adquirido na digestão de multimeros extralongos do fator de von Willebrand, permitindo que estes ativem a cascata de coagulação. Na SHU há uma ativação aberrante do complemento, resultando em microtrombos na circulação renal. A identificação precisa destes mecanismos permitiu que se desenvolvessem testes diagnósticos precisos com e soluções terapêuticas cada vez mais eficazes”, conclui António Almeida.
Adenopatias e linfócitos atípicos
A mesa-redonda contou também com uma apresentação de Paula Braga, hematologista clínica do Hospital da Luz, com o tema “Adenopatias e linfócitos atípicos”.
“A abordagem diagnóstica deve considerar idade, sintomas de malignidade ou infeções:febre, suores noturnos ou perda de peso; duração: aguda (dias) vs crónica (semanas-meses)”, começou por advertir a médica hematologista.
Falando das caraterísticas físicas da linfadenopatia, Paula Braga lembrou que “um tamanho acima de 1 cm” deve, sempre, merecer atenção.
Na opinião de Paula Braga, um médico hematologista deve optar pela realização de uma biópsia ao seu doente uma vez que “a biopsia estabelece diagnóstico em 50 a 60% dos casos”.
Diante de uma sala quase cheia, Paula Braga enumerou alguns sinais de alerta que o profissional de hematologia deve ter em consideração na sua prática clínica diária.
“Localização supra-clavicular ou generalizada; sintomas sistémicos; dimensão superior a 3 cm e sem sinais inflamatórios locais; gânglio aderente ou petrio sem sinais inflamatórios locais. Hepato/esplenomegalia na ausência de sintomas sugestivos de doença benigna”, concluiu.
(04/10/2021)