Informação e desinformação. Comunicação eficiente e comunicar ciência. Estes foram alguns dos principais conceitos que marcaram a reflexão levada a cabo na mesa redonda “Medicina Na Era da (Des)informação”, que se realizou este domingo, ao início da tarde, no âmbito do 27º Congresso Nacional de Medicina Interna.
André Casado, internista e especialista em Medicina Intensiva no Hospital da Luz Lisboa, e Mónica Bettencourt Dias, investigadora e diretora do Instituto Gulbenkian de Ciência, protagonizaram as intervenções subordinadas aos temas “Fake News” e “Comunicar em Ciência”, respetivamente.
Em sala, o médico especialista em Medicina Intensiva iniciou a sua intervenção trazendo uma leitura sobre a origem das Fake News.
“Pela natureza do nosso processo cognitivo somos particularmente propensos a aceitar respostas simples e a tomar decisões intuitivas, mesmo quando perante problemas complexos. Isto acontece porque trabalhamos diferencialmente com dois tipos de processos cognitivos: o Sistema 1 de decisão intuitiva e baseada em heurísticas e o Sistema 2 fundamentado na aplicação de pensamento analítico e racional”, começou por afirmar o também autor do livro “Fake News na Medicina”.
Na perspetiva de André Casado, que soma mais de 20 anos de experiência de Consulta e especialista em Medicina Intensiva, as Fake News ganham expressão e espaço nos media e opinião pública em consequência, diz, daquela que acredita ser a “principal modalidade de Fake News, isto é, a “bullshit”, “um tipo de informação, que de acordo com a definição do filósofo Harry Frankfurt, não é ancorada na realidade (portanto, não é factual)”.
Durante a sua intervenção, André Casado explicou que um “bullshitter” é alguém que cria e/ou difunde a bullshit e que pode fazê-lo com diferentes motivações: ganho financeiro, notoriedade publica, intenções políticas ou apenas por sentido de missão (quando acredita convictamente na bullshit que transmite)”, afirmou sublinhando que “todos podemos ser bullshitters na medida em que recebemos informação que retransmitimos, nomeadamente nas redes sociais, e da qual não avaliamos a veracidade”.
Para André Casado, a “única forma de nos defendermos das Fake News e teorias conspirativas é o exercício do pensamento crítico”, concluiu.
Diante de uma plateia atenta, Mónica Bettencourt-Dias, diretora do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) trouxe à sala uma reflexão sobre os desafios de Comunicar Ciência.
“Estamos numa mudança de paradigma”, começou por anunciar. “Hoje, por exemplo, todos temos o doutor Google, e creio que muitos de vós, médicos, devem receber pessoas no consultório que já sabem o diagnóstico. E isso levanta questões sobre o papel do médico e do cientista”, sublinhou a investigadora portuguesa.
Protagonista de um percurso científico de destaque em Portugal e além-fronteiras pelo contributo ímpar enquanto investigadora – e com publicações nas principais revistas científicas e dois financiamentos do Conselho Europeu de Investigação, Mónica Bettencourt- Dias destacou que se assiste a um processo de aceleração no que respeita à comunicação.
“Havia pouco entusiasmo no início de 2019. Com a pandemia, as pessoas perceberam a importância de pôr tudo online porque a informação era importante para todos”, disse a investigadora que está desde cedo envolvida na divulgação de ciência, chegando mesmo a estudar comunicação em Inglaterra.
Na sua intervenção, Mónica Bettencourt-Dias – conhecida no mundo científico pelo trabalho de investigação em torno dos centrossomas, estruturas que fazem parte das células, envolvidas no processo de divisão celular- destacou o mais recente Eurobarómetro 2021 para caraterizar os portugueses no que respeita à absorção de ciência.
“No que respeita ao interesse nas descobertas da medicina, Portugal aparece identificado como o país que demonstrou um aumento em relação ao interesse das descobertas médicas. Temos um público recetivo”, afirmou a também bioquímica e bióloga celular.
Na opinião de Mónica Bettencourt-Dias, a comunicação em ciência deve ser produzida e desconstruída tendo como principal tónica o envolvimento da audiência, para a qual se comunica.
“O que faz sentido é a pessoa relacionar-se com a audiência. A comunicação tem de chegar a todos, isto, é aos decisores, médicos, cidadãos e escolas”, frisou.
Em jeito de conclusão, Mónica Bettencourt-Dias defendeu a ideia de que o futuro da comunicação de ciência deverá construir-se em espírito de total cooperação e parceria por parte dos principais agentes, entre outros, “cientistas, médicos, indústria e escolas”. “Será giro quando começarmos a juntarmo-nos todos. Deixo-vos aqui este convite pois seria ótimo ver mais médicos mais envolvidos na comunicação para o público em geral”.
(03/10/2021)